Fico imaginando o que se pode passar na cabeça dos bolsonaristas que acreditaram nas bazófias do ex-presidente. Naquele tempo, a religião, transformada em seita, foi usada como instrumento de ação e propaganda política, de tal maneira que a invocação de deus estava estreitamente vinculada à figura presidencial. De outra face, apregoava-se um patriotismo hitlerista que mais tinha a ver com a xenofobia pura e simples do que com o verdadeiro amor à pátria. E a honestidade? Essa, então, era cantada em prosa e verso, assim como se a corrupção fosse palavra definitivamente erradicada do vocabulário político brasileiro.
Quanta decepção para os que se deixaram embalar por esse canto de sereia! Dos religiosos, Bolsonaro só queria mesmo a adesão cega e inconsequente, utilizando-os como massa de manobra para se colocar em contraposição à esquerda, que, na ótica oficial, seria “ateia” e “comunista”. As falsas demonstrações de fé evangélica beiravam a histeria, lembrando o que de mais ridículo possa haver nos rituais da espécie. A aparentemente piedosa contrição do casal presidencial chegava a provocar risadas por sua evidente falta de sinceridade, produto de puro histrionismo.
Para se arvorar um patriotismo acima de qualquer suspeita, Bolsonaro enveredava pela mais singela falta de educação, agredindo correspondentes estrangeiros à simples formulação de uma pergunta sobre a Amazônia. Nos bastidores, entretanto, praticava a mais criminosa das omissões no que diz respeito à sobrevivência dos povos indígenas, revelando-se como sócio do garimpo ilegal e nefasto. O desmatamento corria solto e o que se via diuturnamente era o desmonte dos órgãos incumbidos da fiscalização e da repressão. Ibama e Funai foram sistematicamente boicotados, tendo seus quadros e suas funções esvaziados na prática.
No quesito honestidade a coisa foi bem mais grave. O próprio histórico da família já apontava para a procedência do brocardo, segundo o qual “quem tem telhado de vidro não deve atirar pedra no dos outros”. As rachadinhas eram moeda corrente nos arraiais bolsomínicos e o obscuro recebimento de cheques por dona Michelle não deixava dúvidas para os que desconfiavam do comportamento presidencial. Não bastasse isso, eis senão quando, encerrado o infeliz reinado, vem à tona o escândalo dos presentes e das joias.
Que vergonha! Os brasileiros não merecíamos passar por tamanha humilhação internacional, decorrente da mais insana roubalheira de que se tem notícia na República. Para me ater a um só fato: dezesseis e meio milhões de reais em joias são retidos num aeroporto, em razão do elogiável senso de dever de um servidor público. Tanto bastou: numa rapinagem nunca vista, ministros e militares se mobilizaram para se apoderar do butim. Resistiu a autoridade alfandegária, levando, então, ninguém menos que o presidente a enviar emissário para capturar, de qualquer jeito, o produto retido.
Chega a parecer mentira. Infelizmente, é a mais pura verdade que Bolsonaro empenhou tudo o que podia para botar a mão em algo que não lhe pertencia, buscando surrupiar do erário substancial fortuna.
Está foragido o “mito”. Pugna-se pelo seu retorno ao país para responder criminalmente por suas desvairadas atitudes. Sei que essa é a exigência da lei. Entretanto, por mim, só o fato de ele ficar longe do Brasil, evitando a sua contaminação perversa, já seria um grande saldo. Mas respeito a maioria que proclama “anistia não”. Então, que se puna o malfeitor.