Fotos: Acervo da magistrada

A desembargadora Socorro Guedes, do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM), participou nesta semana do II Congresso Internacional de Fauna e Flora da Amazônia, promovido pela Universidade do Missouri (Southeast Missouri, dos Estados Unidos) em parceria com diversas instituições brasileiras e norte-americanas. Em sua palestra, intitulada Amazônia e o Direito dos Povos Indígenas – Questões Fundiárias, Conflitos e Cultura, a magistrada abordou a relação entre a preservação do bioma, a proteção dos povos originários e os desafios fundiários que afetam a região.

Para Socorro Guedes, a complexidade do ecossistema amazônico exige a realização de debates e reflexões que possam contribuir para a elaboração de políticas públicas eficazes voltadas à preservação ambiental e ao respeito dos direitos dos povos indígenas. Segundo ela, é fundamental reconhecer a importância dos povos originários para a manutenção da floresta. “É incontestável que não há Amazônia sem povos originários. A população indígena resiste há séculos a pressões que ameaçam seu modo de vida e sua própria existência, especialmente nas regiões mais remotas”, comentou durante a palestra.

A magistrada destacou ainda o papel da Constituição de 1988 na consolidação dos direitos indígenas. “Uma das grandes vitórias do movimento indígena foi o reconhecimento constitucional do seu direito de existir com sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, além do direito originário às terras que tradicionalmente ocupam”, afirmou.

Marco temporal

Socorro Guedes alertou para os desafios contemporâneos, como a aprovação da Lei nº 14.701/2023, que adota a teoria do marco temporal como critério para a demarcação de terras indígenas. “A nova legislação busca inviabilizar novas demarcações, abrir terras já demarcadas para exploração predatória e enfraquecer o direito à consulta prévia”, alertou. Além disso, a indefinição sobre a questão fundiária tem impactado os processos de identificação e delimitação de territórios na FUNAI, aumentando a vulnerabilidade dessas áreas à invasão e ao desmatamento ilegal, na visão da magistrada.

Invasões, exploração ilegal e danos às terras indígenas

Dados do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), citados pela desembargadora durante a sua palestra, revelam que apenas em 2023 foram registrados 276 casos de invasões possessórias, exploração ilegal de recursos naturais e danos ao patrimônio em 202 terras indígenas. “Embora haja um aumento das fiscalizações por órgãos como Força Nacional, Ibama, Funai e outros órgãos, de acordo com relatório do Cimi, este também consigna que os indígenas de muitos territórios relataram que as operações foram pontuais e insuficientes, e que a ação de invasores foi retomada logo após as ações dos órgãos de fiscalização”, pontuou.

Além dos danos ambientais, Socorro Guedes chamou a atenção para as consequências sanitárias do desmatamento e do uso de mercúrio na mineração ilegal. Estudos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) mostram que um aumento de 1% na área desmatada de um município pode elevar em 23% os casos de malária e entre 8% e 9% os de leishmaniose. Já pesquisas conduzidas por instituições como WWF Brasil e Fiocruz demonstram que o mercúrio utilizado no garimpo tem contaminado peixes e impactado diretamente a saúde de comunidades ribeirinhas e indígenas.

O caminho

Ao concluir sua palestra, a desembargadora enfatizou a necessidade de um modelo de desenvolvimento sustentável que respeite os povos tradicionais e proteja o meio ambiente. “Etnocídio e devastação ambiental não são progresso. Trocar riqueza privada por destruição pública não é progresso. Progresso é construir uma sociedade inclusiva, plural, fraterna; é ter instituições fortes e comprometidas com valores constitucionais. Proteger os povos originários e entender que a natureza não opera pelas leis de mercado é um caminho necessário. Isso, sim, é progresso.”

Evento

O II Congresso Internacional de Fauna e Flora da Amazônia reúne especialistas, magistrados e pesquisadores do Brasil e dos EUA para discutir questões ambientais, fundiárias e os direitos dos povos indígenas.

A palestra de abertura foi proferida pelo ministro Mauro Campbell, corregedor nacional de Justiça, com o tema “Os desafios requerem mudanças necessárias”. No mesmo dia, a desembargadora Socorro Guedes, do TJAM, apresentou sua exposição sobre “Amazônia e o Direito dos Povos Indígenas – Questões Fundiárias, Conflitos e Cultura”.

Dando continuidade às discussões, conforme a programação do evento, na manhã desta quarta-feira (19/3), o juiz Áldrin Rodrigues, também do TJAM, abordou os principais desafios da regularização fundiária na Amazônia.

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