Rafaela Felicciano/ Metrópoles

“Para mim, trabalhar é terapia.” É assim que a copeira de uma clínica de doenças renais de Brasília Alice Ferreira, 68 anos, encara a relação com o emprego. Há 27 anos servindo café, ela já é figura conhecida entre os pacientes.

A aposentadoria veio aos 60 anos, mas ela optou por não se afastar do serviço. Para Alice, o trabalho é sinônimo de qualidade de vida. A copeira disse que energia para isso não falta. “Eu não me via dentro de casa quieta sem fazer nada, sou meio agoniada. Estou sempre em movimento”.

Assim como dona Alice, a cada dia que passa mais pessoas estão em condições físicas e mentais para continuarem ativas no mercado de trabalho. Acompanhando tendência demográfica mundial e nacional, a população idosa tem crescido no DF. Segundo pesquisa do IBGE, esse grupo saltou de cerca de 200 mil, em 2010, para 346 mil, em 2020; e há previsão de que chegue a 565 mil em 2030.

Um recente estudo realizado pela Universidade de Brasília (UnB) indica que, em 2030, um a cada seis moradores do Distrito Federal será idoso, somando quase 17% do total de habitantes. Considerando que a expectativa de vida das pessoas está crescendo, a tendência é que cada vez mais idosos optem por continuar atuando, mesmo em condições de se aposentar. Sendo assim, o mercado de trabalho precisa estar preparado para abraçar esses profissionais.

“Se a gente pensar nas próximas décadas, teremos mais pessoas com mais de 60. E se a sociedade não se preparar em todos os âmbitos para um mundo que envelhece, inclusive no mercado de trabalho, se não for mais receptiva e integrativa, vamos ter vários problemas lá na frente”, comenta a professora de psicologia especializada em envelhecimento da UnB Isabelle Chariglione.

 

Momento de redescoberta

Apesar de os jovens ainda serem os preferidos das empresas, o público da terceira idade também tem se esforçado para conquistar espaço. A proprietária da Longeva, Maturidade e Oportunidades, Juliana Seidl, percebeu movimento de pessoas mais velhas que queriam continuar trabalhando, seja por necessidade ou por interesse.

Há dois anos e meio, ela abriu a própria empresa, voltada para orientação profissional e de carreira de pessoas com mais de 50 anos. Durante a pandemia, percebeu aumento do interesse pelo serviço, principalmente de cidadãos que queriam mudar de profissão.

“Em geral, quem está perto da aposentadoria quer um trabalho com mais flexibilidade e autonomia. A maioria continua trabalhando porque quer contribuir para a sociedade e desenvolver competências empreendedoras”, avalia Juliana.

O aposentado Carlos Parente, 72, é alguém que redesenhou a carreira. Quando se aposentou na área de TI, ele decidiu que era hora de correr atrás do que realmente gostava: a psicologia.

Após prestar vestibular, entrou para filosofia na UnB. Depois, Carlos se transferiu para o curso desejado. Hoje, faz atendimentos e participa de grupos de pesquisa da universidade. O plano agora é bater a oitava década de vida atuando na profissão escolhida.

Carlos conta que em nenhum momento passou pela cabeça dele parar de trabalhar: “Eu não fiquei receoso de recomeçar. Não teve ‘ah, não, sou velho!’. Nunca consegui me imaginar ficar de pijama, sentado no sofá em frente à televisão”.

 

Iniciativas inclusivas

Um passo importante para uma mudança efetiva na receptividade do mercado de trabalho à terceira idade é a criação de iniciativas inclusivas pelas empresas. No Distrito Federal, programas voltados para essa faixa etária são poucos, quase escassos. A psicóloga Isabella Chariglione acredita que vagas têm sido criadas na tentativa de se retratar, mas o valor dos idosos ainda não foi percebido pelo mercado.

“O avanço da ciência e da tecnologia possibilitou mudanças. Os idosos de hoje são diferentes dos de algumas décadas atrás, eles têm muito mais vida, saúde e força cognitiva”, completa.

Ela afirma que a interação geracional é o ideal para a empresa. “Ter esses conhecimentos antigos de quem tem muita experiência de vida agregados a quem está chegando com nova motivação e ideias é muito rico.”

O Grupo Santa, rede que administra diversas instituições de saúde e hospitais do DF, está com processo seletivo aberto para contratar pessoas maiores de 60 anos para o cargo de concierge, acompanhante dos pacientes.

A expectativa é de que os idosos possam fazer com que os pacientes se sintam mais acolhidos. “Precisamos ter pessoas que se coloquem no lugar do outro, que o paciente se veja nelas. Então, acreditamos que pessoas com 60 anos vão trazer um olhar empático e humanizado, melhoria para o atendimento e, ao mesmo tempo, contribuir para reduzir o preconceito”, diz Carla Antunes, diretora de Pessoas do Grupo Santa.

 

Legislação

Criada em 1994, a Política Nacional do Idoso estabelece a garantia de mecanismos que impeçam a discriminação desse grupo quanto à participação no mercado de trabalho, tanto no setor público, quanto no privado.

Apesar de as legislações direcionadas a pessoas idosas incentivarem a participação da terceira idade na atividade laborativa, na prática, a realidade é diferente. “As políticas públicas começaram a se desenvolver na última década, mas ainda são muito falhas, porque estão registradas na teoria, mas não são realizadas na prática”, assinala Isabella Chariglione.

A advogada especialista em direito previdenciário Gabriela Chaves de Castro destaca que, caso a pessoa tenha os requisitos para se aposentar, mas ainda queira continuar trabalhando, não há nada que a impeça. “A lei não tem nenhuma proibição ou tampouco permissão expressa para que isso ocorra”, pontua.

O problema é que o mercado não é receptivo à terceira idade, que ainda são cercados de preconceito. “São vários os casos de idosos que trabalharam a vida inteira em um lugar e quando chega determinado momento são dispensados. O idoso custa mais para a empresa do que o jovem, logo não é mais lucrativo que ele permaneça no quadro de funcionários”, destaca Gabriela Chaves.

Para a psicóloga e empresária Juliana Seidl, o momento atual é um paradoxo. “A reforma da Previdência vai exigir que as pessoas trabalhem mais. E, ao mesmo tempo, não temos um mercado de trabalho para inserir e manter pessoas mais velhas”, argumenta.

 

Quebra de estereótipos

A professora de jornalismo e revisora de textos Ana Maria Fleury, 65, continua no mercado mesmo podendo se aposentar. Além de ser uma forma de complementar a renda, o trabalho a mantém ocupada e com a mente ativa.

Engana-se quem pensa que a maturidade afetou as capacidades dela. Ana já ministrou aulas a distância para 700 alunos e considera que está no auge da sua produção intelectual.

Mas não é todo mundo que acredita no potencial dos idosos. Ela conta que já recebeu um comentário de tom preconceituoso de um colega de trabalho quando dava aulas em uma faculdade privada. “Um professor mais novo que dava a mesma disciplina que eu perguntou assim: ‘Por que a senhora não se aposenta? Vai descansar, a senhora já trabalhou muito’”, relata Ana.

Juliana Seidl concorda que a sociedade ainda tem uma visão reducionista da velhice. “É importante entender que há uma diversidade muito grande entre a terceira idade, porque a expectativa de vida aumentou, e a qualidade de vida também. E as pessoas não querem sair do mercado. Estão se sentindo felizes, plenas, ativas, não querem parar. Agora que as empresas estão começando a perceber que esse grupo tem muito a contribuir. Dessa forma, o mercado de trabalho do DF precisa se atualizar”, conclui.

(Metróples)

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