Estudo mostra como o câncer resiste aos remédios e abre portas para novos tratamentos

Foto: Reprodução Internet

Segunda maior causa de mortes no mundo, os casos de câncer devem aumentar nos próximos anos e ultrapassar as doenças cardiovasculares até 2030, assumindo a liderança, segundo estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS). Embora os tratamentos tenham avançado, o combate ao diagnóstico, especialmente em casos mais agressivos, ainda é difícil devido a fatores como a diversidade genética dos tumores, o local onde se encontram e a forma como evoluem.

Agora, um novo estudo, publicado na revista científica Science Advances, descobriu que as células cancerígenas podem mudar de tamanho para resistir a terapias e sobrepor barreiras para sua sobrevivência. O mecanismo abre portas para um nova visão no entendimento dos tumores, avalia o presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC) e do Instituto Oncoclínicas, Carlos Gil.

— O estudo é de fato uma grande novidade no entendimento da biologia do câncer, ou seja, como essas células se comportam. Nós buscamos sempre entender esses mecanismos de proliferação das células malignas, como elas se dividem de forma diferente das normais e se disseminam, para que possamos desenvolver novos tratamentos eficazes em controlar isso. Entender que existe essa mudança no tamanho é importante e pode significar o desenvolvimento de novas armas no futuro — diz o oncologista.

Conduzido por pesquisadores do Instituto de Pesquisa do Câncer (ICR), no Reino Unido, o trabalho fornece ainda uma nova visão sobre como essas alterações interferem em diferentes terapias. Os cientistas acreditam que células menores podem ser mais vulneráveis à quimioterapia, e ferramentas que buscam danificar o seu DNA de modo geral, enquanto as maiores podem ser mais suscetíveis ao tratamento com a imunoterapia, que utiliza o próprio sistema imunológico do paciente para combater o tumor.

Por isso, uma das perspectivas, explica o autor líder do estudo, professor de morfodinâmica do câncer no ICR, Chris Bakal, é que medicamentos possam ser utilizados para forçar as células cancerígenas a um tamanho específico antes de iniciar o tratamento escolhido, e assim melhorar a sua eficácia.

“Achamos que nossa pesquisa tem um potencial de diagnóstico real. Ao observar o tamanho das células, os patologistas podem prever se um medicamento funcionará ou se as células serão resistentes”, diz o pesquisador, e acrescenta: “”Também acreditamos que nossa descoberta leve a novas estratégias de tratamento, por exemplo, criando drogas para atingir as proteínas que regulam o tamanho das células”, afirma o especialista.

Capacidade de reparar danos

Os cientistas utilizaram técnicas avançadas de análise de imagem e exames de DNA e proteína em milhões de células do melanoma, forma mais grave de câncer de pele, para monitorar o controle do seu tamanho. Eles explicam que esse tipo de tumor é causado principalmente por duas mutações genéticas, chamadas de BRAF e NRAS.

Eles passaram a investigar, então, possíveis diferenças nos tamanhos das células de cada versão. Eles descobriram que as BRAF eram muito pequenas, enquanto as NRAS, especialmente as resistentes aos medicamentos disponíveis hoje, eram muito maiores. Os diferentes tamanhos aconteceriam porque as mutações conseguem regular os níveis de uma proteína chamada CCND1, envolvida na divisão celular.

— Nos últimos anos, a partir de uma série de estudos, observamos que existe uma regulação que garante um equilíbrio entre o crescimento em tamanho e número nas células saudáveis, ou seja, na sua disseminação. Pela primeira vez isso foi analisado em células malignas, de câncer, e se observou que, de alguma forma, para dar uma vantagem competitiva às células saudáveis e continuarem crescendo, as cancerígenas têm esse mecanismo diferente de regulação — explica Gil.

No estudo, os cientistas americanos observaram que as células menores estavam muito concentradas em proteínas que reparam o DNA, como a PARP, e por isso eram capazes de tolerar níveis mais altos de danos no código genético. No entanto, esse mesmo motivo faz com que medicamentos chamados de inibidores de PARP, um tipo de quimioterapia oral que bloqueia a proteína, possam ser mais eficazes.

Isso porque as células grandes, por não terem a alta concentração das proteínas reparadoras, acumulam os danos e aumentam com o tempo, o que leva a não dependerem desse mecanismo de reparo do DNA para sobreviver. Por isso, para elas, os inibidores e a quimioterapia oral podem não ser tão efetivos.

Nesse caso, os cientistas acreditam que a imunoterapia pode ter um potencial melhor, já que o acúmulo de mutações tornam essas células mais evidentemente estranhas ao corpo e, consequentemente, mais suscetíveis à ação do sistema imunológico. Os pesquisadores já estão, inclusive, testando essa hipótese em novos estudos.

“Pensamos no câncer como fora de controle e imprevisível, mas usamos análise de imagem e proteômica para mostrar pela primeira vez que certos fatores genéticos e as alterações nas proteínas levam a uma alteração controlada no tamanho das células cancerígenas. As células cancerígenas podem encolher ou crescer para aumentar sua capacidade de reparar ou conter danos no DNA, o que, por sua vez, pode torná-las resistentes a certos tratamentos”, resume Bakal.

Embora o estudo tenha se concentrado nas células cancerígenas da pele, os pesquisadores acreditam que essa capacidade de mudança de tamanho e seu impacto na resposta ao tratamento sejam replicáveis a vários tipos de câncer – e também estão conduzindo trabalhos para confirmar a hipótese.

Combate ao câncer ainda é desafio

Gil explica que estudos como o dos pesquisadores britânicos são importantes pois, apesar dos grandes avanços nas últimas décadas, o combate ao câncer ainda enfrenta desafios. Um deles é conseguir identificar os casos de forma precoce, quando podem ser tratados com procedimentos cirúrgicos, que costumam ser preferenciais para os primeiros estágios, explica.

— Já em relação aos tumores mais avançados, de fato hoje conseguimos controlar por muito mais tempo e dar muito mais qualidade de vida. Porém, essas células avançadas desenvolvem mecanismos de resistência porque vão adquirindo mutações ao longo do tempo que podem mudar o seu comportamento e conseguir escapar dos tratamentos disponíveis. Por isso, esse estudo, ao trazer novas evidências sobre esses mecanismos de proliferação, torna-se muito importante — afirma o oncologista.

Com O Globo.

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