Policiais prenderam na noite de quinta-feira (14),em Jundiaí (SP), um hacker que ameaçava autoridades e ameaçou explodir o Supremo Tribunal Federal (STF). Não está descartada uma ligação dele com o atentado ocorrido em Brasília na quarta-feira (13).
Policiais civis do Rio Grande do Sul chegaram ao homem de 36 anos preso em Jundiaí em investigação que resultou na operação contra suspeitos de ameaçar matar uma deputada estadual gaúcha e explodir os prédios do STF e do Congresso Nacional. O homem propagava atos racistas, extremistas e homofóbico.
Identificado como Fernando Curti, o homem foi preso em flagrante por causa do material encontrado na casa. Ele é um profissional da área de tecnologia da informação, com histórico de tráfego na dark web. Outra pessoa também foi alvo da operação, mas não foi presa. A polícia apura se mais pessoas estão envolvidas nos crimes.
A investigação começou quando a deputada estadual Bruna Rodrigues (PC do B) denunciar o recebimento de email com ameaças de morte e agressão sexual, além de falas racistas, direcionadas a ela e à sua família. Após identificar o hacker e analisar o tráfego dele pela internet, investigadores descobriram várias outras ameaças.
Com um nome falso, o morador de Jundiaí vinha anunciando atentados e atacando autoridades desde 2022. Entre os alvos dele estão o ministro Alexandre de Moraes, do STF, e os deputados federais Talíria Petrone (Psol-RJ), Guilherme Boulos (Psol-SP), Daiane dos Santos (PC do B-RS) e Silvia Cristina Chagas (PP-RO).
Além de anunciar planos de atentado a bomba contra o STF e o Congresso Nacional, o hacker enviou emails anônimos com ameaças com ameaças de atentados contra o Aeroporto Internacional de Guarulhos, em Guarulhos. Por isso ele também já era investigado pela Polícia Federal.
Em uma tentativa de escapar das autoridades brasileiras, além do nome falso, o hacker usava um provedor conhecido pela capacidade de anonimato, com sede na Suíça. Na casa dele, policiais apreenderam um computador desktop, um notebook, dois tablets, dois celulares, pen drives e memórias.
Autor de atentado em Brasília consumia teorias conspiratórias extremistas
Autor das explosões na área central de Brasília na noite de quarta-feira, o catarinense Francisco Wanderley Luiz, de 59 anos, queria entrar no STF com bombas. Dizia que mataria Alexandre de Moraes. Nas redes sociais, reproduzia teorias conspiratórias anticomunistas como o QAnon, populares na extrema direita norte-americana.
Nascido em Rio do Sul (SC), no Alto Vale do Itajaí, tinha longa ficha criminal e histórico de militância na direita brasileira. Na cidade catarinense, em 2020, foi candidato a vereador pelo PL, recebeu 98 votos e não se elegeu. Seu nome de urna era Tiü França. Declarou à Justiça Federal ser casado, ter o ensino médio incompleto e atuar como chaveiro.
Francisco Luiz estava morando em Ceilândia (DF) desde julho. Até então, trabalhava como chaveiro em Rio do Sul. Foi sócio de pequenas casas noturnas da cidade catarinense. Tinha sete irmãos – dois já falecidos – e dois filhos e um enteado, que também trabalhava como chaveiro nos últimos meses.
Lesão corporal, perturbação à ordem e dívidas
A Polícia Federal levantou que Francisco foi preso em flagrante por lesão corporal em 2012. Também responde processo por ter feito uma festa durante a pandemia, desrespeitando as restrições sanitárias contra a Covid-19. No sistema do Tribunal de Justiça de Santa Catarina ele também aparece em quatro processos de dívida ativa.
Apesar de atacar as medidas contra a Covid-19, questionar os perigos do vírus e ser um defensor do “Estado zero”, Francisco pediu auxílio emergencial do governo durante a pandemia. Recebeu 14 parcelas em 2020 e 2021, sendo cinco de R$ 600, duas de R$ 300 e outras sete de R$ 150.
Nas redes sociais, além do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o autor das explosões na Praça dos Três Poderes enaltecia o escritor e filósofo Olavo de Carvalho, que é considerado o “guru do bolsonarismo” e morreu em decorrência da Covid-19 – ele também atacava medidas sanitárias e minimizava os perigos do vírus.
Em suas contas no X e no Facebook, Francisco Luiz seguia várias páginas de direita, como Brasil Paralelo, Jornal da Cidade Online, Movimento Avança Brasil-RS, Espaço Enéas Carneiro e Terça Livre. Os donos de algumas dessas páginas, como Allan dos Santos, são investigados nos inquéritos do STF por supostamente atentarem contra a democracia com disseminação de ódio e fake news.
Participação em acampamentos a favor de intervenção militar
Francisco Luiz participou de um protesto em que os participantes hostilizaram o ministro do STF Luís Roberto Barroso, em Porto Belo, no litoral de Santa Catarina, em novembro de 2022. Na ocasião, o magistrado precisou ser escoltado para sair em segurança do restaurante que estava.
Francisco participou de vários outros atos contra o STF, a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e a favor da intervenção militar para manter Jair Bolsonaro na Presidência, após a vitória do petista nas urnas em 2022. Ele esteve em acampamentos montados por apoiadores de Bolsonaro em frente a quartéis do Exército em Santa Catarina.
Essas informações foram dadas pela ex-mulher dele a agentes da Polícia Federal, na manhã de quinta-feira. Agentes filmaram a conversa com a mulher em frente à casa de madeira onde ela mora, em Rio do Sul. Em entrevista coletiva, o diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, disse que as declarações dela são importantes.
A mulher disse aos agentes que Francisco já havia anunciado planos de atentado em Brasília, mirando o ministro Alexandre de Moraes, do STF. Segundo ela, o ex-marido deixou claro que iria à Brasília matar o magistrado. E, caso não conseguisse entrar no prédio do Supremo, se mataria – como acabou fazendo.
A mulher contou ainda que decidiu acabar o casamento justamente por causa do extremismo de Francisco. Ele deixou Rio do Sul em julho dizendo que viajaria a passeio, mas nunca mais voltou. Investigadores de Brasília descobriram que ele alugou uma quitinete em Ceilândia, a 30km da Praça dos Três Poderes, no mesmo mês. Policiais estiveram no endereço na noite de quarta e encontraram explosivos.
Conhecido de deputado federal catarinense
Pouco antes das explosões de quarta-feira, Francisco publicou em suas redes sociais anúncios de atentado na capital federal que durariam até sábado (16). “Pai, Tiü França não é terrorista, né? (…) Ele apenas soltou uns foguetinhos para comemorar o dia 13. Tem cheiro de carniça, igual cachorro quando morre”, escreveu em uma das mensagens pouco antes de morrer com uma das suas bombas.
Em outra postagem, faz referência direta à Brasília e à quarta-feira, dia 13. “Distrito Federal Brasília 13 novembro 2024. Eu: Francisco Wanderley Luiz mais conhecido Tiü França (ETE x PNEU) ‘Miguel’ Sugiro a vocês uma data especial para iniciar uma revolução. Após este grande acontecimento, vocês poderão comemorar a verdadeira proclamação da república!!! ‘Em espírito estarei na linha de frente com minha espada erguida” DEUS NOS ABENÇOE.”
Nos cinco meses no Distrito Federal, Francisco Luiz esteve no Congresso Nacional e no STF. Ele foi ao plenário do Supremo e ao gabinete do deputado federal Jorge Goetten (Republicanos). A ida dele ao STF ocorreu em 24 de agosto. Ele participou de uma visita guiada, oferecida a turistas. Ele chegou a visitar o plenário da Corte e postou uma foto no local. “Deixaram a raposa entrar no galinheiro (chiqueiro)”, escreveu.
Já Goetten disse em entrevista, também quarta, que conhecia Francisco há mais de 30 anos, e que nas visitas dele ao gabinete ambos falaram do passado. Segundo ele, a última passagem do chaveiro pelo gabinete ocorreu em agosto deste ano.
Investigadores disseram que mensagens no WhatsApp indicam que ele planejou o atentado à bomba. “Algumas delas [mensagens] têm conteúdo que antecipavam o ocorrido no dia de hoje, manifestando previamente a intenção do autor em praticar o autoextermínio e o atentado a bomba contra pessoas e instituições”, diz trecho da ocorrência registrada pela Polícia Civil do DF ainda na noite de quarta.
Mensagens com teorias de extremistas norte-americanos
Antes do atentado de quarta-feira, Francisco Luiz deixou vários prints de mensagens de texto em suas redes sociais, além daquelas que anunciavam bombas em Brasília.
Algumas dessas mensagens eram para políticos brasileiros e estrangeiros, como Donald Trump, recém-eleito presidente dos Estados Unidos, e os presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD).
“Donald Trump, se você ama e respeita as crianças, acelera a operação Storm. Mande o FBI aqui para a Ilha de Marajó. No Brasil, não temos Justiça, nem Polícia Federal. O que temos é Gestapo, mas não serve para nada. Aliás, serve sim: prender velhinhas inocentes”, escreveu o chaveiro brasileiro.
Já para Lira e Pacheco, a mensagem continha ironia e ameaça: “Vou cantar uma música para vocês dormirem bem: Senta aqui neste banco pertinho de mim, vamos conversar. Será que você tem coragem de olhar nos meus olhos e me encarar? Agora, chegou a sua hora, chegou a sua vez. Você vai pagar.”
Diretor da PF conecta Francisco a grupos extremistas
O diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, informou que forças de investigação trabalham com terrorismo como uma das hipóteses iniciais das explosões em Brasília na noite de quarta-feira. A outra, de acordo com ele, seria abolição violenta do Estado Democrático de Direito.
Andrei Rodrigues destacou, em entrevista coletiva na manhã desta quinta-feira, que ainda não sabe as motivações do homem responsável pelo atentado e não descarta, com isso, que outras linhas de investigação sejam consideradas.
A PF também considerou acreditar que o ataque foi planejado a longo prazo, e um dos indícios seria o trailer estacionado com explosivos na Câmara dos Deputados. O veículo foi identificado nesta quinta-feira.
“Esse trailer foi alugado há alguns meses, não foi uma coisa bem recente, e que estava em um ponto estratégico nas proximidades do STF, o que nos aponta para, de fato, um planejamento de médio, talvez longo prazo, e que canalizam e sinalizam a gravidade de tudo isso que foi feito”, disse Rodrigues.
A presença do homem em Brasília em outras oportunidades também é considerada pelas forças de investigação como um indício do longo planejamento do atentado. “Essa pessoa já esteve em outras oportunidades em Brasília. Ele estava em 2023. Ainda é cedo para dizer se houve participação direta dele nos atos de 8 de janeiro, isso a investigação dirá”, declarou o diretor-geral da PF.
Andrei Rodrigues afirmou que o caso conecta com outras investigações em andamento na PF, como a dos atos de depredação das sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023. A constatação se deu pela mensagem deixada pelo homem para Débora Rodrigues no espelho de uma casa que alugou em Ceilândia.
“Debora Rodrigues. Por favor, não desperdice o batom. Isso é para deixar as mulheres bonitas, estátua de merda se usa TNT”, escreveu ele. Débora é ré por pichar com um batom a frase “perdeu, mané” na estátua da Justiça em 8 de janeiro de 2023. Francisco Luiz lançou bombas em direção à estátua na última quarta.
O diretor-geral da PF disse que a ação das explosões foi individual, mas que ataques do tipo, geralmente, são “sempre permeadas por outras iniciativas”. Um dos focos da investigação será saber se Francisco Luiz recebeu apoio logístico ou financeiro.
Francisco Luiz provocou uma série de explosões na Praça dos Três Poderes, em frente ao prédio do STF, na noite de quarta. Em um momento, ele segurou um artefato que o matou ao explodir.
O homem também estacionou seu carro, um Kia Shuma, próximo à Câmara dos Deputados. O veículo estava carregado de explosivos que, de acordo com as informações iniciais, foram acionados à distância, de forma remota.
O corpo dele passou a noite no local pelo risco de novas explosões, enquanto o esquadrão antibomba do Batalhão de Operações Especiais (Bope) da Polícia Militar desativou outros artefatos encontrados. Também foram identificados um trailer alugado por Francisco e estacionado na Câmara, próximo ao carro. A casa alugada por ele estava armada com explosivos. Com informações de O Tempo.