Um homem de 67 anos, que trabalhou mais de 20 anos em condições análogas à escravidão, ganhou uma casa própria quatro anos após ser resgatado em uma propriedade rural no bairro Bengalar, em São José dos Campos, no interior de São Paulo.

De acordo com o Ministério Público do Trabalho (MPT), o homem trabalhava na fazenda desde 1999, e não possuía registro em carteira de trabalho ou salário.

Ele realizava o manejo de gado leiteiro sem folgas desde 2005, sequer em feriados, e sem a concessão de férias, cumprindo uma jornada que se iniciava às 5 horas da manhã e terminava às 18 horas, todos os dias.

O trabalhador residia em uma pequena casa localizada dentro da propriedade com a mãe, que tinha 87 anos na época do resgate. A idosa prestou serviços para o pai do empregador no passado.

Mãe e filho se alimentavam com a ajuda de vizinhos e voluntários, que doavam cestas básicas. O pagamento era apenas o acesso à moradia.

Após denúncias nas redes sociais, auditores fiscais do Ministério do Trabalho e do Emprego (MTE) organizaram uma ação fiscal que resultou em uma operação de resgate em junho de 2020.

Condições precárias

Ao chegarem no local, o MPT, o MTE e a Polícia Federal (PF) encontraram uma situação absolutamente degradante, como descreveu o próprio MPT.

De acordo com o órgão, não havia geladeira e o fornecimento de água era irregular, uma vez que vinha através de uma mina. Devido à falta de forro e algumas telhas quebradas, chovia dentro da casa, resultando em muita umidade e infiltrações nas paredes, forçando mãe e filho a dormir embaixo de lonas em tempo de chuva.

Além disso, não havia armários. Por isso, os pertences pessoais dos dois eram armazenados no chão. A fiação elétrica também estava em condições precárias.

Devido a uma chaminé entupida, a casa estava tomada de fuligem, de forma que ambos respiravam fumaça quando era utilizado o fogão a lenha, especialmente devido à pouca ventilação dos ambientes.

Os auditores fiscais do trabalho caracterizaram a redução de trabalhadores a condições análogas à escravidão, nas modalidades de condições degradantes de trabalho e jornada exaustiva.

“Foram efetuados procedimentos de resgate do trabalhador, dentre eles, a emissão das guias de seguro-desemprego de trabalhador resgatado”, explica o auditor fiscal do trabalho, Marco Aurélio Peres.

Implicações ao proprietário

A PF efetuou a prisão em flagrante do proprietário da fazenda pelo crime de redução de trabalhador à condição análoga à escravidão. O homem afirmou pagar salário por produção e conceder cestas básicas, mas não tinha recibos ou qualquer evidência que provasse o seu argumento.

Ele foi liberado alguns dias depois. Atualmente, ele responde o processo criminal em liberdade, mas pode ser preso a partir de uma condenação definitiva.

“Durante o interrogatório, o proprietário da fazenda reconheceu a ininterrupção do trabalho exercido pelo empregado, o não cumprimento dos encargos trabalhistas, bem como a promessa de doação da casa onde moram, feita por ele, e que foi a razão principal para mantê-los naquela condição por tanto tempo”, esclareceu, na época, a delegada da Delegacia de Polícia Federal em São José dos Campos, Patrícia Helena Shimada.

O MPT firmou termo de ajuste de conduta (TAC) com o empregador, pelo qual ele se comprometeu com o cumprimento de três obrigações, consideradas emergenciais:

  • Efetuar o registro do contrato de trabalho em carteira de trabalho no prazo de 5 dias;
  • Reformar a casa em que o trabalhador reside, providenciando, no prazo de 30 dias, todas as melhorias necessárias para garantir condições dignas de moradia, tornando-a adequada e salubre, garantindo também a posse mansa e pacífica da casa e seus arredores (parte da propriedade rural) ao trabalhador, de forma vitalícia, sem prejuízo de futura transferência de propriedade da casa e parte da propriedade rural para a vítima;
  • Garantir o pagamento de uma ajuda mensal de R$ 300 e uma cesta básica mensal no valor mínimo de R$ 100, “até o efetivo pagamento da indenização a título de dano moral coletivo”, de forma que a quantia poderá futuramente ser compensada.

Trabalhador ganha casa própria

Um trabalho conjunto do MPT, MTE e Defensoria Pública da União (DPU) resultou no cumprimento do TAC celebrado há quatro anos, dando ao trabalhador uma casa própria.

De acordo com o MPT, o homem “finalmente recebeu a transferência da casa que lhe foi prometida pelo empregador; o imóvel está oficialmente no nome do trabalhador”.

A demora no cumprimento, ainda segundo o MPT, se deu por problemas de documentação e impostos atrasados, além da burocracia envolvendo diversos herdeiros. Contudo, nos últimos quatro anos, o trabalhador permaneceu residindo na casa.

“Finalmente, após 4 anos de idas e vindas conseguimos a transferência do imóvel para o trabalhador, com a casa devidamente reformada. O terreno onde a casa está localizada, bem como toda a área construída, agora pertence a ele. Esperamos que ele e sua mãe, agora com 91 anos, usufruam do imóvel, cuja posse é mais do que merecida, após anos de sofrimento, exploração e trabalho não remunerado”, celebra a procuradora Celeste Maria Ramos Marques Medeiros.

Além disso, na época do resgate, o homem foi indenizado e recebeu verbas devidas relativas aos anos de trabalho informal, incluindo os reflexos de férias e 13º. “Não podemos divulgar os valores, mas foi um bom dinheiro”, disse o MPT ao Metrópoles.

O trabalhador também conseguiu, com o apoio dos advogados da DPU, o benefício da aposentadoria, de forma que hoje ele tem a possibilidade de dar uma vida digna para si e para sua mãe, sem depender de terceiros para conseguir sua subsistência. Com informações de Metrópoles.

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