
Novos depoimentos colhidos pela Polícia Civil revelam detalhes cruciais sobre a morte de Benício Xavier, de 6 anos, ocorrida em 23 de novembro, após receber adrenalina aplicada de forma indevida no Hospital Santa Júlia, em Manaus. Segundo as investigações, a prescrição que autorizou o procedimento foi ocultada por integrantes da equipe de enfermagem, que temiam que o documento fosse alterado pela médica responsável, Juliana Brasil, após perceber o erro na dosagem.
A enfermeira Francineide Macedo e a técnica de enfermagem Tabita Costa afirmaram ter guardado o papel original como forma de preservar a prova, diante da possibilidade de que uma nova prescrição fosse emitida para encobrir a falha. A informação consta em depoimentos obtidos pela Polícia Civil e acessados pelo g1.
De acordo com as investigações, Juliana Brasil prescreveu a dose incorreta de adrenalina, aplicada diretamente na veia e sem diluição pela técnica Raíza Bentes. A médica admitiu o erro por escrito e em conversa com um colega médico, embora sua defesa afirme que a confissão teria ocorrido “no calor do momento”. Já Raíza declarou que apenas seguiu a prescrição e chegou a mostrar o documento à mãe de Benício antes da administração do medicamento.
As três profissionais respondem ao inquérito em liberdade, mas apenas a médica Juliana obteve habeas corpus durante o plantão judicial — benefício que não foi concedido à técnica Raíza.
Equipe relata temor de alteração do documento
Os depoimentos indicam que, logo após o agravamento do estado de saúde de Benício, a enfermeira Francineide recomendou a transferência urgente do menino para a UTI. Ela relatou que a médica chegou a questionar se a internação era realmente necessária, mas a medida foi rapidamente adotada.
Francineide contou que decidiu guardar a prescrição no bolso do jaleco porque temia que a médica emitisse outra versão do documento. Posteriormente, o papel foi parar com Tabita, que também o manteve consigo até entregá-lo ao enfermeiro Tairo Neves Maciel, supervisor dos técnicos no plantão.
Tabita afirmou que recebeu orientações diretas para não entregar a prescrição à médica e disse que parte da equipe temia que o documento fosse apagado do sistema e substituído por uma nova versão digital. Ela relatou ainda que, após a morte do menino, percebeu que Juliana havia registrado no sistema o reconhecimento do erro, mas dividindo responsabilidades com a equipe de enfermagem.
Suspeita de tentativa de adulteração
O delegado Marcelo Martins, titular do 24º DIP, confirmou que a Polícia Civil investiga se houve tentativa de adulteração de provas por parte da médica Juliana Brasil. Profissionais que estavam no hospital no dia do atendimento relataram que ela teria tentado acessar a prescrição original para removê-la e, posteriormente, editar os dados no sistema.
Segundo o delegado, a mudança teria o objetivo de ocultar que a adrenalina foi aplicada de forma endovenosa — e não por nebulização, como deveria ser feito.
As investigações continuam para definir as responsabilidades individuais e esclarecer completamente as circunstâncias que levaram à morte da criança.
Entenda o caso
O pequeno Benício Xavier, de 6 anos, foi levado pelos pais ao Hospital Santa Júlia, em Manaus, após apresentar tosse seca e suspeita de laringite. O quadro inicial não indicava gravidade, mas o atendimento médico culminou em uma sequência de procedimentos que levaram à piora acelerada do menino.
Segundo o pai, Bruno Freitas, a médica responsável prescreveu lavagem nasal, soro, xarope e três doses de adrenalina intravenosa, com 3 ml aplicados a cada 30 minutos. A família, surpresa com o método — já que Benício jamais havia recebido adrenalina pela veia — chegou a questionar a técnica de enfermagem. Ela afirmou que também nunca havia feito aplicação intravenosa, mas seguiria a prescrição médica.
Logo após a primeira dose, Benício apresentou reação súbita e grave, sendo levado para a sala vermelha. A oxigenação caiu para 75%, e uma segunda médica foi acionada para iniciar o monitoramento cardíaco. Diante da piora, foi solicitado um leito de UTI, e o menino foi transferido no início da noite.
Na UTI, o quadro continuou instável. A equipe informou aos pais que seria necessária a intubação, realizada por volta das 23h. Durante o procedimento, Benício sofreu as primeiras paradas cardíacas. Segundo o pai, houve sangramento porque o menino vomitou no momento da intubação. Mesmo após manobras de reanimação, Benício não resistiu e morreu às 2h55 da madrugada de domingo.
A família afirma que busca justiça e que espera que erros como esse não voltem a acontecer.
“Não desejamos essa dor para ninguém”, disse Bruno.
Em nota, o Hospital Santa Júlia informou que a médica e a técnica de enfermagem envolvidas no atendimento foram afastadas, e que a instituição abriu uma investigação interna, conduzida pela Comissão de Óbito e Segurança do Paciente.










