O empresário Geraldo Rufino, conhecido como “catador de sonhos”, foi afastado pela Justiça paulista do comando da JR Diesel, maior rede de desmanche legal da América Latina. A juíza responsável pela recuperação judicial da companhia nomeou um gestor de sua confiança para a empresa e determinou que sejam apurados indícios de fraudes em suas contas.

O interventor entregou um relatório preliminar no qual aponta suspeitas de crimes falimentares. No documento, obtido pelo Metrópoles, ele afirma ter encontrado pagamentos da empresa a parentes e a empresas ligadas à família de Geraldo Rufino, aparentemente sem vínculo com a JR Diesel.

Na decisão em que afastou Geraldo Rufino, no fim do ano passado, a magistrada também mandou trocar o administrador judicial da empresa, por quebra de confiança. Ela criticou a “postura displicente” do auxiliar da Justiça sobre “fundadas suspeitas” de irregularidades na JR Diesel.

A juíza Gilvana de Souza, da 7ª Vara Cível de Osasco, determinou à Polícia Civil de São Paulo e à Polícia Federal (PF) que enviem inquéritos sobre empresas ligadas a familiares do empresário para ajudar a apurar possíveis irregularidades na recuperação judicial.

O despacho foi assinado após a publicação de uma reportagem do Metrópoles, em agosto de 2023, que revelou as suspeitas de fraudes nas empresas da família Rufino a partir de decisões judiciais, investigações criminais e acusações de credores. A juíza ordenou que o novo administrador judicial apure a “confusão patrimonial” e o “exercício espúrio de poder sobre outras sociedades”.

Guerra de milhões na Justiça

A recuperação judicial da JR Diesel se arrasta no Judiciário desde 2016. À época, a empresa devia R$ 40 milhões a fornecedores e bancos. No ano passado, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) chegou a determinar a falência da empresa. A decisão, porém, foi cassada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

No último ano, empresas como a gigante de logística JSL e a Movidas, do ramo de locação de veículos, reivindicaram dívidas milionárias e acusaram Geraldo Rufino de se esquivar de decisões que determinam seu pagamento. Essas empresas não haviam sido incluídas como credoras da recuperação da JR Diesel e acionaram a Justiça.

Geraldo Rufino diz ser perseguido pelo dono da JSL, de quem era amigo, após ser garantidor de uma dívida de seu filho que não foi paga. Segundo ele, após a desavença, a empresa passou a usar a Justiça para atingi-lo.

Dura da juíza

Até 2023, o processo estava nas mãos de uma outra juíza, que se declarou suspeita para julgá-lo. Ex-promotora de Justiça, a juíza Gilvana de Souza assumiu o caso e passou a questionar o administrador judicial (AJ) Mário Bonfá sobre as suspeitas levantadas por credores.

Na condição de AJ, era papel dele fiscalizar se a empresa estava pagando dívidas e funcionando sem suspeita de fraudes. Com base na publicação do Metrópoles e em ações dos credores, a juíza tomou a decisão de afastá-lo e intervir na empresa no dia 12 de dezembro.

Segundo ela, a “displicência” de Bonfá e a “completa ausência de informações” sobre o cumprimento do plano “fulminaram” sua confiança no trabalho do advogado. Sua conduta ao longo dos últimos anos será apurada pelo novo AJ, e ele poderá ser destituído, ou seja, cassado da função de auxiliar da Justiça para outros casos.

A magistrada afirmou que “pairam suspeitas” de que a JR Diesel teria “distribuído lucros de maneira indevida a seus sócios durante a recuperação judicial e de que teria beneficiado determinados credores”, descumprindo o plano de recuperação.

Investigações

A juíza determinou às polícias que entreguem os autos dos inquéritos em andamento e que apurem se Geraldo Rufino exerce poder sobre empresas em nome de terceiros, que deveriam estar, na verdade, aptas a entrar na recuperação judicial da JR Diesel e responderem por suas dívidas.

Em agosto de 2023, o Metrópoles revelou que empresas ligadas a Rufino e seus familiares e funcionários são alvo de decisões judiciais que reconhecem o uso de laranjas para fraudes e dribles a cobranças de dívidas.

O filho do empresário foi alvo de um mandado de prisão na Operação Fiat Lux, da Polícia Federal, sob suspeita de clonagem de veículos do Exército. A empresa na mira da PF é sediada na própria JR Diesel.

A juíza afirma que a notícia provoca “estranheza, sobretudo diante de possível confusão patrimonial entre as empresas e eventual sucessão empresarial fraudulenta”.

A mesma reportagem também mostrou que um inquérito na Polícia Civil paulista apura se há empresas ligadas ao grupo familiar de Rufino em nome de laranjas. Um deles é um sobrinho de Rufino de 25 anos que trabalha como entregador do Mercado Livre e é sócio de uma grande revendedora de peças.

A polícia suspeita que a empresa esteja no nome do sobrinho de Rufino para blindar seu real proprietário. O Metrópoles revelou que há 45 empresas de venda de peças de caminhões em nome de parentes do empresário “catador de sonhos”. Nem todas existem fora do papel.

Rufino e diretores afastados

Rufino tem mais de 2,4 milhões de seguidores nas redes sociais, dá palestras motivacionais, e é autor de livros sobre sua história de vida. De origem humilde, ele conta ter sido catador de lixo e falido cinco vezes antes do sucesso com o desmanche de caminhões.

Além do afastamento de Rufino e de diretores de sua confiança, a juíza determinou ainda que eles fiquem proibidos de vender ou transferir ativos da empresa e que todas as senhas para controle das contas bancárias sejam transferidas para os novos gestores.

Recém-nomeada como gestora da JR Diesel, a empresa FK Consulting afirmou ter encontrado “indícios de crimes falimentares, despesas injustificáveis, descapitalização, entre outros fatos passíveis de serem ainda apurados”.

Entre as saídas de dinheiro da empresa para pessoas ligadas a Rufino, estão R$ 1,8 milhão, somente no ano de 2023, para o empresário, sua esposa, seus sobrinhos, empresas de familiares e pessoas de confiança. Ele ressalta que nem todas essas pessoas têm relação societária, contratual ou empregatícia com a JR Diesel e que faltam justificativas para esses gastos.

Entre as empresas que receberam os repasses, estão a Octa e a Alsa, cujo sócio é um de seus filhos. A Spartan X, empresa que cuida da imagem e palestras de Rufino, está em nome de uma funcionária. Uma decisão judicial a favor de credores em outro processo reconheceu que essa assessora é apenas uma laranja no comando da empresa.

Outra empresa na lista de pagamentos é a Iiman, cuja sócia é outra funcionária de Rufino. Em nome dela, foram registradas diversas empresas do mesmo ramo de caminhões.

Em uma diligência, os interventores encontraram, dentro da JR Diesel, uma máquina de cartão de crédito e débito em nome da Iiman. A suspeita, segundo o AJ, é que compras da JR Diesel vão parar nas contas dessa empresa em nome da funcionária, que nem é do ramo de caminhões.

Um cartão da JR Diesel também foi identificado com valores pagos aos filhos do empresário. Sua filha, uma das beneficiárias, é casada com um homem que recentemente adquiriu, em leilão judicial, um imóvel bloqueado, justamente para pagar dívidas de Rufino.

A gestora judicial encontrou também uma série de transações picadas em dinheiro, de R$ 5 mil a R$ 8 mil, e alertou para o risco de “desvio ou sonegação”. O dinheiro em espécie girando nas contas da JR Diesel chegou a R$ 770 mil somente em 2023 e 14% foram direcionados à diretoria da empresa e a empresas suspeitas de receberem dinheiro indevidamente e serem ligadas a Geraldo Rufino.

Apesar dos apontamentos, o relatório afirma que a empresa tem tido uma receita milionária e condições de continuar a pagar seus credores e sair da recuperação judicial.

O que diz Geraldo Rufino

Os advogados Guilherme Veiga Chaves e Rodrigo Dantas afirmam ao Metrópoles que as decisões da juíza da recuperação judicial estão sendo questionadas “pelas vias processuais adequadas”. Eles ressaltam que o STJ cassou os efeitos da decisão que decretou a falência da JR Diesel e, “por conseguinte, as medidas a ela reflexas”. A defesa afirma aguardar que a decisão da Corte Superior seja “devidamente implementada” pela juíza da RJ.

A defesa afirma ainda que a empresa é “pessoa jurídica ativa, cujo plano de recuperação judicial já foi homologado, a qual possui gestão eficiente e transparente, assegurando centenas de empregos diretos e indiretos com a regular exploração de sua atividade empresarial”. “O seu plano vem sendo cumprido, com o devido adimplemento dos credores.”

Por fim, os advogados dizem que “a falência da companhia é medida extrema, a qual nunca foi pleiteada por qualquer credor habilitado no citado plano de recuperação judicial, como bem foi reconhecido, recentemente, pelo Poder Judiciário”. As informações são de Metrópoles.

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