
O Ministério Público Federal (MPF) ingressou com uma ação civil pública na Justiça Federal pedindo a anulação de um contrato que autoriza a exploração de Soluções baseadas na Natureza (SbN) na Terra Indígena Vale do Javari, no extremo oeste do Amazonas. O acordo, assinado em 2022 pela União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), concedeu às empresas Comtxae (Brasil), Biotapass (Espanha) e Biota (Argentina) o direito de registrar, certificar e comercializar projetos ambientais dentro do território indígena.
Segundo o MPF, o contrato apresenta graves irregularidades jurídicas e violações a direitos constitucionais dos povos originários, além de colocar em risco comunidades em isolamento voluntário.
Irregularidades apontadas
A investigação começou após denúncias de lideranças do povo Mayuruna, que relataram a presença de empresários estrangeiros sem consentimento das comunidades locais e sem autorização da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).
Após análise, a Funai confirmou que não havia autorização oficial para entrada das empresas e identificou pontos críticos, como:
- Usurpação de direitos: o contrato descreve a Univaja como “proprietária” da terra, quando a Constituição reconhece as terras indígenas como bens da União de usufruto exclusivo dos povos.
- Falta de autorização legal: o ingresso de terceiros no território não passou pela Funai, nem pela Coordenação Regional do Vale do Javari.
- Violação da consulta prévia: não há garantia de que os indígenas foram devidamente esclarecidos sobre os termos e impactos do contrato, como exige a Convenção 169 da OIT.
- Restrições às práticas tradicionais: o documento limita atividades de subsistência, como caça e pesca, ao mesmo tempo em que garante às empresas o mapeamento detalhado de toda a área.
- Risco a povos isolados: por abranger a totalidade da terra indígena, quase 9 milhões de hectares, o contrato expõe comunidades isoladas a contatos forçados.
Pedido à Justiça
Na ação, o MPF solicita a suspensão imediata do contrato e a paralisação de todas as atividades relacionadas a SbNs no território. Além da nulidade definitiva do acordo, o órgão pede a condenação da Univaja e das empresas ao pagamento de R$ 10 milhões em danos morais coletivos.
Para o procurador da República Guilherme Diego Rodrigues Leal, que assina a ação, a continuidade do contrato ameaça a soberania nacional e pode gerar impactos irreversíveis.
“A manutenção dos termos pode levar à exploração predatória dos recursos, à usurpação de conhecimentos tradicionais, ao risco de invasão de áreas de povos isolados e a danos sociais, culturais e ambientais graves”, afirmou.
O que o contrato previa
O documento concedia às empresas estrangeiras o poder de fiscalizar a floresta “presencial e remotamente”, atribuição que cabe exclusivamente ao Estado brasileiro, por meio da Funai e do Ibama. Para o MPF, essa prerrogativa viola a soberania nacional e constitui cláusula nula de pleno direito.
O Vale do Javari e os SbNs
A Terra Indígena Vale do Javari é o segundo maior território indígena do Brasil, com 85,4 mil km² de Floresta Amazônica e o maior número de povos isolados do mundo. Em 2022, a região ganhou notoriedade internacional após o assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips.
As Soluções baseadas na Natureza (SbN), segundo a União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN), consistem em medidas para proteger, restaurar e gerir ecossistemas de forma sustentável, associando benefícios ambientais, sociais e econômicos.










