Abalados com a morte do filho único e revoltados com a conduta do Hospital Brasília, no Lago Sul, os pais de Miguel Fernandes Brandão, 13 anos, pedem justiça. O adolescente morreu em novembro de 2024, com o corpo necrosado em razão de uma infecção bacteriana, 26 dias após dar entrada no Hospital Brasília, no Lago Sul.
O vigilante Fábio Luiz Brandão, 43, e a servidora pública Genilva Fernandes Brandão, 40, denunciam demora no atendimento e falta de exames laboratoriais que indicassem o quadro infeccioso nos primeiros dias da internação.
Arrasada, a família concedeu entrevista à coluna Grande Angular na casa onde mora, em Arniqueira. “Foi tudo muito traumático para a gente, ainda mais sabendo que a morte poderia ter sido evitada”, lamentou a mãe. Assista à entrevista:
“Milagre”
Genilva conta que o nascimento de Miguel foi um “milagre” na família, porque ela e Fábio enfrentaram problemas de saúde que impediam uma gravidez. A mãe do menino relata que, em um encontro religioso, recebeu a revelação de que havia “curada” e um milagre estava para acontecer na sua vida. Depois de meses, em 2011, ela deu à luz.
O passatempo e esporte preferido de Miguel era o futebol. No quarto do menino, Genilva mostra a chuteira, a bola e as medalhas que o filho ganhou em competições. Miguel não perdia os treinos e sempre comentava com a bisavó os jogos do Palmeiras, clube de coração da família.
A vida da família Brandão mudou tragicamente em 14 de outubro de 2024, quando Miguel foi levado ao Hospital Brasília com sintomas gripais, como febre, dificuldade para respirar, irritação na pele, dor no corpo e moleza. Ele morreu menos de um mês depois, na UTI da unidade hospitalar, com o corpo completamente roxo e cheio de graves feridas.
Os pais registraram boletim de ocorrência contra o Hospital Brasília por negligência médica. O caso é investigado pela 10ª Delegacia de Polícia (Lago Sul).
“Quadro viral”
O diagnóstico inicial era de “quadro viral”. Mas, depois, descobriu-se que Miguel estava infectado com a Streptococcus pyogenes, uma bactéria grave que causa falência de órgãos e necrose. O diagnóstico só chegou quando o menino teve choque séptico e foi levado à UTI, de acordo com a família.
Em ao menos duas ocasiões diferentes, consta em relatórios médicos que a mãe estava “ansiosa”. Genilva diz ter insistido que o quadro do filho não era normal porque a febre não cessava e ele não conseguia nem falar. A mãe afirma que perguntou à médica responsável pelo atendimento sobre a possibilidade de aplicar antibiótico, mas recebeu resposta negativa.
“Quando essa médica chegou, ela chegou meio que já com o diagnóstico: ‘Ele está com quadro viral e gastroenterite’. Eu falei: ‘Doutora, mas não é o caso de tomar um antibiótico? Essa febre dele não cessa. Está muito estranho. Ele está com fraqueza, ele não está conseguindo falar, ele não consegue nem levantar e precisa de cadeira de rodas para ir ao banheiro. Ela virou e falou: ‘Não, porque quadro viral só se trata com a hidratação e não com antibiótico’”, relata Genilva.
No dia seguinte, segundo a mãe de Miguel, a mesma profissional respondeu as queixas pedindo para ela se acalmar: “Mãe, eu já te expliquei, essas manchas são características do diagnóstico [quadro viral]. Você tá muito ansiosa e você está deixando ele ansioso. Você não pode ficar assim se não atrapalha a melhora dele”, recorda Genilva.
Despedida
Miguel desenvolveu choque séptico com falência de órgãos três dias depois de ser internado. Transferido para a UTI, após deterioração significativa da saúde, os médicos pediram para os pais se despedirem do filho.
“Eu falei para ele nunca esquecer que o papai e a mamãe amavam ele incondicionalmente. Ai falei com ele: ‘Meu filho, fecha o seu olhinho. Esquece o que está acontecendo aqui na sua volta. Fecha o seu olhinho e lembra de alguma viagem que a gente fez que você gostou’”, conta.
Depois de 22 dia de UTI, Miguel morreu na madrugada do dia 09 de novembro devido ao choque séptico por Streptococcus pyogenes, Influenza A, insuficiência renal aguda e gangrena periférica, de acordo com o atestado de óbito.
Em relato doloroso, a mãe pede justiça: “Eu quero justiça pelo Miguel. O Miguel não é só mais um número. O Miguel não é uma estatística para constar em um relatório para apresentar para os diretores, para apresentar para a sociedade. Ele era uma vida, o nosso milagre, o nosso único filho, muito amado, muito querido por nós e por todas as pessoas que cercavam ele”.
“Nós morremos com a partida do nosso filho. A gente está aqui só sobrevivendo. Que nenhum pai passe pela dor que nós passamos porque agora isso é eterno até a gente morrer. E que nenhuma criança passe pelo que meu filho passou”, declara Genilva.
Entenda o caso
- Miguel Fernandes, de 13 anos, começou a apresentar febre, coriza e espirros, inicialmente tratados como rinite alérgica pela mãe, com uso de Novalgina.
- Após agravamento dos sintomas, Miguel foi ao Hospital Brasília no dia 14 de outubro, onde exames descartaram Influenza e Covid-19.
- No dia seguinte, em 15 de outubro, Miguel apresentou novos sintomas, como vômitos, diarreia, unhas roxas e fraqueza nas pernas. Retornou ao hospital.
- O quadro clínico persistia grave, com febre, exantema e fraqueza, sem diagnóstico definido.
- A mãe, Genilva, denunciou o atendimento inadequado e a demora na realização de exames na Ouvidoria.
- Miguel desenvolveu choque séptico com falência de órgãos. Foi transferido para a UTI após deterioração significativa de sua saúde, com necessidade de intubação e hemodiálise.
- Na UTI, os médicos identificaram a infecção por Streptococcus pyogenes e Influenza A, enfermidades responsáveis pelo agravamento do quadro.
- Miguel passou várias vezes por raspagem dos tecidos necrosados, mas ainda apresentava múltiplas complicações, como falência renal e cerebral.
- Um traqueostomia agravou ainda mais sua condição e ele passou por mais um choque séptico;
- Miguel morreu na madrugada do dia 09 de novembro devido a choque séptico por Streptococcus pyogenes, Influenza A, insuficiência renal aguda e gangrena periférica.
- A 10ª Delegacia de Polícia (Lago Sul) investiga o caso.
Em nota enviada ao Metrópoles, a assessoria do Hospital Brasília disse que, “em respeito à privacidade e confidencialidade, não divulgamos informações sobre histórico de saúde dos nossos pacientes, conforme determinam as normas éticas e legais de sigilo médico”.