Igo Estrela/Metrópoles.

São Paulo — Uma mudança de versão na delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid foi um dos pilares da decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que determinou a prisão do general da reserva do Exército Walter Braga Netto, ex-ministro e vice na chapa de Jair Bolsonaro (PL) na eleição presidencial de 2022.

Braga Netto foi preso neste sábado (14/12) em sua casa, no bairro de Copacabana, no Rio de Janeiro, acusado de obstrução de Justiça e envolvimento na trama golpista. Segundo o Exército, o ex-ministro ficará sob custódia da Força, no Comando da 1ª Divisão de Exército do Rio de Janeiro.

Na representação pela prisão de Braga Netto ao STF, a Polícia Federal (PF) afirmou que Cid apresentou depoimentos “dissonantes” sobre reuniões entre militares após a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A principal delas foi a que ocorreu na casa de Braga Netto, em Brasília, no dia 12 de novembro de 2022.

Além de Cid e Braga Netto, também participaram da reunião o major Rafael Martins de Oliveira, das Forças Especiais do Exército, e o tenente-coronel Helio Ferreira Lima. O primeiro foi indiciado por integrar os “kids pretos”, militares de elite suspeitos de planejar um golpe de Estado em 2022 para impedir a posse de Lula e atacar o STF. O segundo, por participar do plano “Copa 2022”, para monitorar Moraes.

As duas versões de Cid

Em um primeiro depoimento, datado de 11 de março de 2024, na sede da PF em Brasília, Cid apenas mencionou uma primeira reunião na casa de Braga Netto, na qual, segundo ele, os militares pediram para tirar uma foto com Bolsonaro e “discutiram sobre a conjuntura nacional do país, a importância das manifestações, o pedido de intervenção militar”, entre outros pontos relacionados ao “contexto do que estava acontecendo no país”.

Ele ainda disse que “não se recorda bem, mas acredita que precisou sair mais cedo da reunião” porque “teve voltar para o Palácio do Alvorada”, residência oficial do presidente da República.

No segundo depoimento, dado em 21 de novembro de 2024, em audiência do STF, Cid acrescentou algo que não havia dito sobre um novo encontro do qual, segundo ele, participou:

“Alguns dias após [a reunião de 12 de novembro], o coronel de Oliveira esteve em reunião com o colaborador e o general Braga Netto no Palácio do Planalto ou da Alvorada, onde o general Braga Netto entregou dinheiro que havia sido solicitado para a realização da operação. O dinheiro foi entregue numa sacola de vinho. O general Braga Netto afirmou à época que o dinheiro havia sido obtido junto ao pessoal do agronegócio”.

Esse segundo depoimento foi dado ao STF após a PF apresentar um relatório sobre supostas omissões em sua delação premiada. Investigadores teriam encontrado mensagens apagadas de seu celular após a prisão de integrantes dos “kids pretos”.

Nesse dia, o ministro Alexandre de Moraes reiterou a validade da colaboração de Mauro Cid. Em casos de mentiras e omissões, delatores podem ter seus acordos anulados. Ao final dos processos, caso haja denúncia e ação penal, o Judiciário pode julgar a efetividade da delação e decidir se aplica ou não os benefícios do acordo, como redução de pena.

Outros indícios

Além do depoimento de Mauro Cid, a PF citou outros indícios de suposta interferência nas investigações para pedir a prisão de Braga Netto. Um deles foram trocas de mensagens datadas de 12 de setembro de 2023, entre o general da reserva Mário Fernandes, que foi secretário-executivo da Secretaria-Geral da Presidência no governo Bolsonaro, e o tenente-coronel Jorge Kormann.

Nessa conversa, Fernandes diz a Kormann que os pais de Cid haviam telefonado para Braga Netto e ao general Augusto Heleno e dito que “é tudo mentira”, em relação à possibilidade de delação do tenente-coronel. A conversa se deu três dias depois da homologação da colaboração de Mauro Cid.

Outro documento é um papel com anotações encontrado sob a mesa do coronel Flávio Botelho Peregrino, assessor de Braga Netto, com algumas perguntas relacionados ao assunto: “Teor das reuniões. O que foi delatado?”; “Minuta do 142. Existia documento físico?”; “Felipe Martins”; “imprensa plantando narrativa dos FE liderando movimentos (12 e 14 dez e 08 jan)”; “O que está saindo na imprensa e que não foi delatado?”; “Outras informações”.

Para a PF, as anotações indicam que “possivelmente foram feitas perguntas sobre o conteúdo do acordo de colaboração realizado por Mauro Cid em sede policial, as quais teriam sido respondidas a princípio, pelo próprio colaborador, em vermelho”. A PF também diz ter encontrado anotações sobre informações do próprio Mauro Cid, como declarações de que “perguntaram muito sobre General Mario”; “Não falou nada sobre os Gen. Heleno e Braga Netto”; e “GBN não é golpista, estava pensamento democrático de transparência das urnas [sic]”.

Além disso, a PF também identificou contatos entre os celulares do pai de Mauro Cid, o general Mauro César Lourena Cid, com Braga Netto. Entre elas, uma chamada de 3 minutos e 32 segundos, pelo aplicativo WhatsApp, no dia 8 de agosto de 2023, dias antes de uma operação da PF sobre a venda das joias entregues ao ex-presidente Jair Bolsonaro em missões oficiais.

Mais um depoimento

No dia 5 de dezembro, Cid foi confrontado pela PF novamente com documentos apreendidos. Dessa vez, o coronel delator disse que Braga Netto e intermediários abordavam seus pais.

“Isso [abordagem aos pais de Cid], logo depois que eu fui solto naquele burburinho, inicialmente. E não houve, aquelas perguntas, aquelas respostas que estavam lá, obviamente não confirmam o que eu falei na colaboração. Então, talvez intermediários pudessem estar tentando chegar perto de mim, até pessoalmente, para tentar entender o que eu falei, querer questionar, mas como eu não podia falar, eu meio que desconversava e ia para outros caminhos, para não poder revelar o que foi falado”.

O delegado Fabio Shor, da PF, ainda indagou: O senhor confirma que ele tentou obter informações do acordo de colaboração, do general Braga Netto? Cid assentiu: “Isso”.

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