O ex-ministro da Secretaria-Geral da Presidência, o advogado Gustavo Bebianno, 55 anos, era mais do que um braço direito de Jair Bolsonaro. Privava da intimidade do presidente. Gabava-se de ser o guardião dos segredos mais recônditos do mandatário do País — até ser o primeiro defenestrado do governo em meio à crise deflagrada pelo filho número dois do presidente, Carlos Bolsonaro. Hoje, a partir de um olhar mais distante, mas não menos acurado, Bebianno nota que a execração pública de auxiliares até então da confiança do ex-capitão tornou-se um método presidencial perigoso. Capaz não só de desalentar a tropa, como também de levar o governo à ruína pelos próprios erros. Para ele, a demissão de generais e a maneira como elas foram levadas a cabo, como o caso de Santos Cruz, já gerou uma fissura com o meio militar. “Se continuar nesse ritmo, Bolsonaro não se reelege”, vaticina.

Bebianno significa relativo ou pertencente à Bebiana, antiga região da Etrúria, na Itália. Não por acaso, o sangue italiano do ex-ministro ferve quando ele discorre sobre os desatinos cometidos por um governo que ainda principia. “Nunca vi um governo que, no terceiro mês, tivesse tantos desgastes políticos”, avaliou Bebianno. O pára-raios que matava no peito todas as bombas que cairiam no colo do presidente, segundo sua própria definição, atribui parcela significativa dos problemas aos rebentos do presidente. Para ele, nem os filhos do Lula e da Dilma atrapalharam tanto. Ele lamenta que, por influência dos herdeiros de Bolsonaro e de Olavo de Carvalho, o governo esteja sendo conduzido de forma ideológica, em detrimento de decisões técnicas e necessárias para a retomada do País, na mesma proporção com que despreza aliados, como o presidente da Câmara. “Rodrigo Maia é uma pessoa bem mais jovem do que o presidente, mas vem mostrando um equilíbrio bem maior”.

“Acabei me apaixonando”

Recém-chegado do exterior, Bebianno, no entanto, não quer ficar amarrado ao passado, embora admita ainda guardar mágoas de Bolsonaro para cuja eleição dedicou-se por dois anos e por quem um dia se “apaixonou”. “Fui me envolvendo e acabei me apaixonando pela figura humana dele”. Bebianno cuidava da alimentação, dos remédios que Bolsonaro tinha que tomar e até da segurança dele. “Acabei fazendo o papel que os filhos deveriam fazer e não fizeram”. A intimidade com o presidente causou ciumeira, de acordo com o ex-auxiliar. “Carlos, o mais agressivo, nunca havia feito uma viagem com o candidato. A única foi a Juiz de Fora, onde o presidente levou a facada. Ele também nunca participou das gravações dos programas de televisão da campanha”, disse. Agora, o ex-ministro quer virar a página. Pensa adiante. “Não quero mais nenhuma proximidade com o presidente”, garante. Bebianno busca guarida na casa do empresário Paulo Marinho, no Jardim Botânico, onde concedeu a entrevista à ISTOÉ na terça-feira 25. Mostrando-se descontraído, sapato sem meias, bronzeado e expondo um semblante tranqüilo, revela-se disposto a recuperar não só a autoestima, mas também a carreira política, interrompida com o que chamou de demissão desleal. O primeiro passo nesse sentido será dado nesta semana, quando pretende se desfiliar do PSL, partido do presidente, do qual ainda é o vice-presidente nacional. “Para mim, o PSL é página virada”, disse o ex-ministro que está de malas prontas para o PSDB ou o DEM. Com a cabeça em novos projetos, é possível até que venha a ser candidato a prefeito da capital fluminense em 2020.

Entrevista

O presidente tem submetido ministros demitidos a um processo de execração pública?
E de forma desnecessária. No meu caso, por exemplo, qual foi o embate com o presidente? Nenhum. O processo foi alimentado pelo filho dele, o Carlos. Eu fui muito agredido pelas redes sociais. Aliás, eu não me pauto pelas mídias sociais, ainda sou da época do mundo real, mas foi uma covardia gigantesca o que foi feita comigo.

Qual é a sua avaliação desses seis meses de governo?
Eu nunca vi um governo que no terceiro mês tivesse tantos desgastes políticos. Posso mencionar uma relação que se deteriorou por conta de nada. Na primeira vez em que eu estive com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, aqui na casa do Paulo Marinho, entre o primeiro e segundo turnos, traçamos algumas perspectivas em relação ao Brasil. Fizemos ali um pacto, com a anuência do presidente, para que houvesse uma relação amistosa, institucional positiva. As pautas, que naquela época já se mostravam que seriam abraçadas pelo Paulo Guedes para a economia, revelaram um Rodrigo Maia muito receptivo. Até porque as pautas eram muito mais da Câmara do que do presidente. Logo após a eleição, vimos a aliança, que foi feita com tanto carinho com Rodrigo Maia, começar a ser destruída por questões ideológicas.

O senhor acha que Rodrigo Maia queria o toma lá dá cá, como diz o presidente?
Eu sou testemunha de que o presidente Rodrigo Maia nunca exigiu, nunca sugeriu, nunca acenou o toma lá dá cá de espécie alguma. Muito pelo contrário. A postura dele sempre foi de total apoio ao presidente. Ora, se você estabelece uma parceria com alguém que vai ser o presidente de um outro poder, e com o qual você tem que se relacionar de forma harmônica, como é que logo no início do governo você permite xingamentos, agressões, deboches ao presidente da Câmara? E tudo partindo do núcleo duro do Palácio do Planalto. Com o filho do presidente agredindo o presidente da Câmara. Isso nunca foi visto na história do País. Nem os filhos do Lula e da Dilma atrapalharam tanto um governo.

A dificuldade de articulação então vai continuar?
Com o general Ramos (Luiz Eduardo Ramos, novo ministro da Secretaria-Geral de Governo) talvez mude. Eu convivi com ele inclusive na fase em que o presidente esteve internado no Hospital Albert Einstein. Nesse período, o general Ramos fazia visitas constantes ao presidente e percebi que ele era uma pessoa séria e competente, tem um espírito muito aberto e positivo. Tenho esperanças de que ele consiga convencer o presidente do quanto é importante essa aproximação com o Congresso. Causa estranheza a sua atual postura porque na época da campanha o presidente costumava dizer que a relação com o Congresso era fundamental e que se alguém pisasse no calo de um deputado isso poderia dar margem a uma crise terrível. Não entendo porque permite agora uma relação tão ruim com o presidente da Câmara.

Quem atrapalha mais? É o Olavo de Carvalho ou os filhos do presidente?
É tudo a mesma coisa. Eles ali se misturam.

O Carlos derrubou o senhor e também o ex-ministro Santos Cruz…
O general Santos Cruz era um amigo de 40 anos do presidente. Foram parceiros de atletismo, competiram juntos. Um homem seriíssimo, mas ao mesmo tempo muito amável, muito inteligente e muito leal ao presidente. Então com esse afastamento da forma como foi, também desnecessariamente e com muita agressão, o presidente perdeu um grande aliado.

Disseram que o senhor era um homem-bomba.

Isso foi coisa de mau caráter. Não sou um rato, jamais faria isso. Mas, por outro lado, eu tenho senso crítico. Eu tenho uma crítica muito severa em relação ao governo. Não dediquei dois anos da minha vida para ver um governo conduzido agora de forma somente ideológica. A ideologia se sobrepondo a decisões técnicas que precisam ser tomadas.

É certo o presidente já falar em reeleição?
Eu nunca vi isso. Começar a falar em reeleição com seis meses de governo. É um erro terrível. Acho que o governo erra quando despreza as instituições. O presidente foi eleito para atuar dentro das regras estabelecidas dentro da Constituição de 1988. Fico perplexo quando percebo que atritos são alimentados com as instituições. O que se pretende com esse tipo de aceno? Rupturas institucionais? Bater no Congresso e no Supremo da forma como está sendo feito acho muito perigoso para o País.

O presidente diz que o Congresso quer que ele seja uma Rainha da Inglaterra. Como o senhor vê isso?
Ele próprio se isolou. Ele está governando de acordo com os poderes estabelecidos pela Constituição. Não foi eleito para ser o soberano, o imperador do Brasil. Foi eleito para ser o presidente do Brasil, dentro das regras democráticas que estão em vigor. Me causou estranheza logo no início do governo o presidente dizer que era muito difícil governar com esse Congresso aí. E eu fiz a pergunta: o que significa esse Congresso aí? Ora, esse Congresso é legitimo. Sofreu uma renovação de 50%. Não compreendi muito bem essa frase. Achei temerária.

O que está faltando ao governo para melhorar a articulação política?
Ela começa dentro de casa, deveria ter começado dentro do PSL. Aliás, em algumas reuniões eu sempre chamei a atenção do presidente para a importância que ele deveria exercer sobre os deputados eleitos. Porque talvez 90% dos deputados foram eleitos em cima da marca Bolsonaro. A grande maioria não teria sido eleita não fosse o nome Bolsonaro. No entanto, a relação com o PSL ficou abandonada.

O atual governo se apresenta mais como solução ou ameaça ao País?
O governo está muito no início. É a primeira experiência do Presidente no Executivo e no Executivo é gestão. E como se faz gestão? Se faz por equipe. E isso começa com a sua agenda de telefones. Uma vez eleito, qual é o próximo passo? Ver quem você vai convidar para compor a sua equipe de governo. E o presidente começou a ter uma grande dificuldade nesse momento. Ele não tinha esse relacionamento e é um trabalho que começamos a desenvolver para melhorar seu relacionamento com a imprensa e para que ele tivesse quadros que viabilizassem sua gestão. Ele sofreu um pouco com isso, ficou na escuridão. Por exempo, no caso do Joaquim Levy. Ele foi ministro no governo Dilma mas é respeitado no mundo inteiro e não merecia o tratamento que lhe foi dado. Acho que foi um erro a saída dele do BNDES e outro erro a forma como foi feita. Não se pode colecionar inimigos de maneira tão gratuita assim desnecessariamente. Mas o governo ainda tem 3 anos e meio pela frente. Vamos ver o que ele vai fazer com esse aprendizado inicial do primeiro semestre.

O senhor ainda é o vice-presidente nacional do PSL.
Eu vou deixar o PSL esta semana. Talvez vá para o PSDB ou o DEM, mas ainda não decidi.

De uns anos para cá, o Brasil está numa guerra do nós contra eles e vemos um país em beligerância. Como se freia isso?
O único remédio para isso é uma combinação de paciência com moderação. Coisa que o Rodrigo Maia vem mostrando. Uma pessoa bem mais jovem do que o presidente e que vem demonstrando equilíbrio bem maior. Não é com extremismo que o Brasil vai entrar nos trilhos. Não adianta esse discurso inflamado, jogando gasolina na fogueira. Isso não vai a lugar algum. Só gera rupturas e divisões.

Qual o papel de Bolsonaro nesse quadro?
É o próprio presidente quem está alimentando essa pauta. Ele deveria ser o primeiro a arrefecer os ânimos. Quando você conduz ônibus ou é o comandante do avião, você precisa de calma. Essa efervescência acaba turvando a visão do presidente.

O senhor acha que essa desarticulação pode levar o governo Bolsonaro a não terminar o mandato?
Acho difícil isso acontecer. O governo foi eleito democraticamente e vai concluir o mandato. Mas se continuar nesse ritmo, acho que Bolsonaro não se reelege. Eu só vejo uma possibilidade de ruptura se o próprio governo criar esse clima. Se partirem do governo propostas de rupturas institucionais. Aí o governo se coloca na linha de tiro. Se o presidente mantiver o respeito às instituições, ele vai levar o mandato até o final.

Como o senhor vê a relação do presidente com as redes sociais?
As redes sociais são uma realidade nova no cenário mundial. A gente enxerga isso nitidamente no governo americano. O grande equivoco é imaginar que Donald Trump senta ali, ao lado do filho dele, e escreve o que vem à cabeça. O que vai para as redes sociais passa por vários filtros. Assessores analisam o que vai ser postado ou não. É um trabalho de comunicação profissional. Isso não acontece com Bolsonaro. Aqui, o que vai para as redes é sem filtro.

As constantes demissões de militares podem afastar o presidente da caserna?
Acho que já afastou, já gerou uma fissura, porque o que o militar mais preza é a lealdade. O espírito de corpo é o que faz um Exército forte. À medida que o presidente rifa seus próprios aliados, com um tiro na nuca, execução sumária, o sinal que ele está dando para esse núcleo militar é péssimo.

Na sua avaliação, quem está no time dos bajuladores do presidente?
A maioria dos que estão com o presidente é formada por bajuladores, que não têm coragem de avisar o rei que ele está quase nu.

Qual a sua avaliação sobre o papel dos militares?
Toda uma grande nação tem que cultuar seus verdadeiros heróis. Eu enxergo no general Villas Boas um dos verdadeiros heróis brasileiros.

Por isso foi chocante ver os ataques do Olavo de Carvalho também a Villas Boas?
Ali, para mim, o Olavo se tornou uma página virada. Perdi todo o respeito que eu tinha por ele. Logo na primeira semana em que eu assumi o ministério, fiz questão de visitar o general quando ele ainda era o comandante do Exército e beijei a mão dele.

Quais seus planos políticos?
Depois de minha saída do governo, fiz um balanço de tudo o que aconteceu e comecei a me perguntar: por que não usar essa experiência tão intensa que eu vivi? Qual o papel que eu posso ter agora? Eu me preocupo muito com o Rio de Janeiro. O Rio está abandonado, tanto no nível estadual como municipal. Estão lastimáveis as duas administrações.

O senhor tem projetos então para algum cargo no Executivo do Rio?
Talvez. Eu tenho recebido convite, sugestões, incentivo das pessoas. Quando ando nas ruas as pessoas vêm falar comigo, sempre de forma carinhosa e positiva.

A sua saída do PSL se dá por frustração com o partido ou com o presidente?
Não quero ter mais vínculo nenhum com o presidente. O PSL para mim é página virada. O governo Bolsonaro ainda não é uma página virada porque estou imbuído em mudar o País.

O senhor deixou inclusive de ser advogado do presidente?
Deixei todas as causas do presidente. O presidente é página virada para mim. Torço para seu governo, mas com o presidente não quero mais nenhuma proximidade.

E as denúncias da existência de um laranjal nas contas do PSL?
Eu não tenho conhecimento do que foi feito em nenhum estado, porque não era da minha alçada.

Mas o próprio presidente insinuou à época que o senhor tinha responsabilidade sobre o laranjal montado nos estados.
Aqui no Rio o presidente do PSL é o Flávio, filho dele. Desconheço o que foi feito nos Estados. O presidente tentou jogar o laranjal nas minhas costas, de forma desleal. (IstoÉ)

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