Dizem que, após a partida do Filósofo, a floresta silenciou por um breve instante, como se até os seres invisíveis daquele mundo ancestral estivessem de luto. Mas logo, no lugar do silêncio, surgiu uma nova forma de vida, uma nova organização social no povoado, agora mais alegre, crítica, criativa e harmoniosa. A floresta parecia mais viva, os rios mais caudalosos, o canto dos pássaros mais vívido, o sussurro do vento mais doce e o brilho das estrelas mais intenso.

Foi então que os mais velhos do vilarejo começaram a notar algo fantástico acontecer: crianças que antes temiam o escuro da mata passaram a caminhar entre as árvores com naturalidade, como se guiadas por uma luz invisível. Jovens inquietos, antes tomados pela ansiedade do futuro, aprenderam a ouvir o som do agora, encontrando sentido nas tarefas mais simples, como plantar, colher, observar o voo dos pássaros.

— “Ele plantou em nós uma semente”, dizia a anciã Yara, com os olhos marejados. “E agora essa semente cresce em silêncio, dentro de cada coração que ousa imitá-lo”.

Alguns afirmavam tê-lo visto em sonhos. Outros garantiam que ele surgia no orvalho das manhãs, sentado sobre uma pedra com os primeiro raios solares, com os olhos fechados e um sorriso tranquilo. Mas ninguém jamais se aproximou ou o tocou novamente. O Filósofo da Floresta ainda estava entre eles ou era pura ilusão, fantasia da cabeça deles?

Certo dia, um jovem chamado Kaíque, movido pela inquietude da idade, decidiu seguir os rastros invisíveis do Filósofo da Floresta. Munido apenas de sua fé e de um pedaço de madeira, partiu pela floresta adentro. Durante sete dias e sete noites caminhou sem rumo, até que, exausto, tombou à beira de um igarapé.

Na manhã do oitavo dia, Kaíque despertou com o som de uma melodia leve, que parecia nascer da própria água. Era a voz do Filósofo da Floresta, ou o eco dela, que dizia: — “Você me procura fora, mas eu sempre estive dentro. Não sou um ser, sou um estado. Toda vez que você ouvir com o coração, eu estarei lá”.

Ao voltar para o vilarejo, Kaíque não disse uma só palavra sobre a sua busca. Quando lhe perguntavam se havia encontrado o Filósofo da Floresta, ele apenas sorria como quem compreendera um segredo antigo demais para ser explicado com palavras.

E assim, ele passou a ensinar as crianças, a cuidar dos doentes com mãos leves e a cultivar a terra com reverência. Era como se uma centelha do Filósofo da Floresta vivesse agora nele, e nos outros que também haviam se permitido ouvir, sentir e colocar em prática os ensinamentos do Filósofo da Floresta.

O tempo passou e com ele nasceu ali uma nova tradição: em cada lua cheia, o povo se reunia no mesmo lugar onde o Filósofo da Floresta entoou seu canto antropológico pela primeira vez. Com tochas acesas e corações abertos, repetiam o antigo mantra:

— “Ó Mãe Natureza, escuta a minha voz. Conceda-me a graça de viver entre vós. Que eu sinta o agora, já que tudo flui. O tempo é sagrado, alcance a paz. Sou raiz no chão, sou vento a correr. Sou chama que arde sem nunca morrer. Sou alma da mata, sou canto e sou luz. Meu peito é tambor que a vida conduz. Meu canto é de paz, meu grito é semente. Que voa no tempo, seguindo o poente. Não tenho correntes, não tenho pesar. Sou folha que dança, sou brisa no ar. Sou raiz, sou vento. Sou chama que não se apaga. Minha alma é floresta. Minha voz é liberdade. Nada possuo… tudo flui”.

E assim, mesmo ausente, o Filósofo da Floresta seguia presente, não como uma lembrança, mas como parte viva da floresta, da alma do povo, e do próprio fluxo da existência. Seu legado ecoava nas folhas que dançavam ao vento, no brilho dos olhos das crianças, nas palavras sussurradas entre os mais velhos.

Cada encontro sob a lua cheia era mais do que um ritual: era um renascimento coletivo, uma reafirmação do elo sagrado entre humanidade e natureza. E, enquanto o mantra se elevava ao céu estrelado, os anciãos diziam que o espírito do Filósofo sorria, em paz, entre os galhos mais altos da floresta.

Luís Lemos é professor, filósofo e com sete obras publicadas, dentre elas, AMORES QUE TRANSFORMAM.

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