Se o calor da cidade os repeliam, havia um lugar para onde escapar: o topo da caixa d’água. Ali era o lugar ideal, o refúgio, o paraíso na terra para aquelas aves.

No meio da maior seca que Manaus já enfrentou na sua história, muitos pássaros se alinhavam para desfrutar daquele oásis.

Eram aves e pássaros de todas as espécies, tamanhos e cores. Periquitos, papagaios, tucanos, andorinhas, pombos…

De manhã cedo eles chegavam e à tarde também. Eles faziam uma algazarra só! Não bebiam água, bebiam vida! Líquido de salvação!

Manaus estava coberta por uma nuvem escura de fumaça. A cidade fedia a queimado. Qualquer esforço físico era suficiente para uma enxurrada de suor.

Para os humanos, água só dentro de suas casas, na geladeira, no bebedouro, no banheiro, no chuveiro, na pia. O ar era pesado e fedido!

Para os outros animais, faltava opção. Os cachorros e gatos de rua viviam nas portas das casas pedindo ajuda para seus donos, situação triste e deprimente.

O calor era sufocante. Tudo parecia ferver. As pessoas andavam sem paciência. A violência corria solta. Tudo era motivo para xingamentos e queixumes.

Até a cordialidade e o respeito entre as pessoas foram embora com o calor. O contato íntimo e prolongado era quase impossível sem o ar-condicionado.

Manaus estava pegando fogo. Tudo era muito quente. O consumo de energia foi o mais altos dos últimos 50 anos.

Carro com ar-condicionado em Manaus não é luxo, é item de sobrevivência. Ninguém aguenta mais do que 10 minutos fora do ambiente climatizado.

Doenças como desidratação, insolação, problemas renais, pressão baixa, infarto e AVC tornaram-se frequentes na população.

Deserto, poeira e fumaça formavam a paisagem da cidade. Tudo fedia a fumaça. O vento, quando vinha, era carregado de poeira.

Tradicionalmente os meses de agosto, setembro e outubro em Manaus são os meses mais quentes do ano, com temperatura média de 40 graus.

No entanto, naquela manhã de setembro de 2024 a chuva caiu em Manaus! “Obrigado Senhor!”. “Que benção!”. “Que glória” – dizia a população.

Mas nem tudo são flores! Com a chuva sobre a cidade, se foram os pássaros da caixa d’água de minha casa. Tudo ficou em silêncio.

Daquela manhã em diante os periquitos, as andorinhas, os pombos do meu quintal não apareceram mais.

Voaram livres pela imensidão verde da Amazônia. E do quintal de minha casa fiquei contemplando a Natureza. Agradeci a Deus por aquele momento.

Abri a Bíblia e fiquei refletindo nas palavras do profeta Ezequiel (47:12). “Árvores frutíferas de toda espécie crescerão em ambas as margens do rio. Suas folhas não murcharão e os seus frutos não cairão. Todo mês produzirão, porque a água vinda do santuário chega a elas. Seus frutos servirão de comida; suas folhas, de remédio”.

Para todo o lado que se olhava, via-se a alegria nas pequenas coisas. “Que perfeição”. “Que beleza”. “A natureza é sagrada” – refletia. E não parei de observar:

1. Que as formigas andavam de um lado para o outro carregando pequenos pedaços de folhas nas costas, contribuindo para o equilíbrio do paraíso;

2. Que os pássaros, certamente os periquitos que viviam no topo de minha caixa d’água, agora, cantavam ao longe.

Fazia dois dias que a chuva estava presente em Manaus. Foram dois dias de pura felicidade. As pessoas estavam mais próximas.

Com a chuva sob a cidade, a cordialidade do povo manauara voltou, o sorriso voltou a ser espontâneo e à Natureza voltou a viver. O amor estava no ar.

Por fim, sabe-se que a chuva é um fenômeno físico, mas para mim é um presente divino, porque foi ela que me fez ver e sentir o paraíso na terra.

Luís Lemos é professor, filósofo e escritor, autor, entre outras obras de: “Filhos da quarentena” e “Amores que transformam”.

Instagram: @luislemosescritor

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