Há um território invisível onde repousam todas as coisas que deixamos para trás. Não o encontramos em nenhum mapa, mas às vezes o sentimos perto, numa lembrança súbita, num perfume esquecido, no eco de uma risada antiga. É o lugar onde as coisas se perdem, e ele começa sempre dentro de nós.

Lá, o tempo não é linear: é cíclico. Os objetos perdidos convivem com os gestos interrompidos, as palavras não ditas e os instantes que desejaríamos refazer. Tudo o que desapareceu do mundo visível ganha outra consistência nesse espaço feito de névoa e memória.

As chaves esquecidas sobre a mesa de um café coexistem com o olhar de alguém que nunca mais vimos. Nada ali morre, apenas muda de forma. Às vezes penso que o esquecimento é apenas uma tradução imperfeita da eternidade.

Aquilo que julgamos perdido talvez apenas tenha se deslocado para um plano onde os sentidos não alcançam. Há, nesse lugar, uma sabedoria delicada: tudo o que o tempo leva, a alma conserva em silêncio. E esse silêncio, quando amadurece, transforma-se em palavra.
Por isso escrevo. Para abrir pequenas portas nesse território invisível e deixar que a lembrança atravesse, uma vez mais, o limiar do real. Cada texto é uma tentativa de resgate, não do objeto em si, mas do sentido que ele possuía.

A caneta perdida da infância, a fotografia rasgada, a voz que já não ouvimos, todos esses fragmentos pedem tradução. E a escrita é o idioma dos desaparecidos. Talvez o lugar onde as coisas se perdem seja o mesmo onde nascem as histórias.

Em certa medida, quando escrevi o livro Amores que transformam, em 2024, eu também estava tentando falar desses momentos que deixamos passar despercebidos, instantes que se perdem na convivência com o outro, na pressa dos dias e na falta de escuta. São pequenos gestos, palavras não ditas, silêncios que carregam um significado profundo e, muitas vezes, transformador.

Amores que transformam nasceu justamente desse olhar mais atento para o cotidiano, dessa vontade de reconhecer nas relações humanas o poder sutil que temos de mudar e ser mudados pelo amor, pela amizade e até pelas despedidas. É um livro sobre o que permanece, mesmo quando tudo parece se perder.

Por isso, de certo modo, perder é também criar, recriar e se conectar (cosnigo mesmo, com o outro e com Deus), pois quando algo se vai, deixa em nós um vazio fértil. É desse vazio que nascem os livros, as músicas e as orações. Tudo o que amamos retorna, um dia, em forma de arte.

O lugar onde as coisas se perdem, portanto, é também o lugar onde o espírito se encontra. E quem caminha por suas veredas descobre, com espanto e ternura, que nada se perde de verdade, apenas espera ser lembrado de novo.

E há dias, em nosso corpo, espírito e memória, em que esse território invisível se torna mais presente, como se as coisas quisessem nos falar. Um objeto, um cheiro, um nome que surge repentinamente e nos faz perceber que cada perda carrega consigo a semente de um reencontro.

É nesse instante fugaz e silencioso que entendemos: as coisas não se perdem, apenas se transformam. Elas se reinventam dentro de nós, e cada lembrança retomada é uma pequena vitória contra o tempo e o esquecimento.

Por fim, não se esqueça das pessoas queridas e dos lugares que o tempo apagou. Eles continuam vivos em nós, à espera de um gesto de lembrança. Talvez seja isso a eternidade: o encontro entre o que fomos, o que perdemos e o que ainda amamos.

Luís Lemos é professor, filósofo, escritor, autor, entre outras obras de, “O primeiro olhar” (2011), “O homem religioso” (2016), “Jesus e Ajuricaba na terra das amazonas” (2019), “Filhos da quarentena” (2021), “Amores que transformam” (2024) e “Noite Santa” (2025). 

Instagram: @luislemosescrito

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