A crise provocada pela pandemia de covid-19 derrubou o valor dos novos contratos de aluguéis de imóveis residenciais e comerciais e inibiu a aplicação automática de reajuste pelo Índice Geral de Preços – Mercado (IGP-M). Puxado pelo dólar, o indicador usado para corrigir o aluguel disparou. Em 12 meses até setembro, subiu quase 18%. 

Diante do aumento do número de imóveis vagos, o temor dos locadores de perder os inquilinos abriu espaço para a manutenção do valor do aluguel na data do reajuste ou a aplicação de uma correção bem menor do que o previsto no contrato.

Quando a analista contábil Thalita Facchini foi informada este mês pela imobiliária de que o sobrado onde mora em São Paulo, no bairro Jardim da Saúde, teria o aluguel mantido por um ano em R$ 1.600, ela ficou surpresa com a notícia. 

Por dever de ofício, ela sabe que o aluguel é reajustado pelo IGP-M. Mas diz que o resultado do indicador acumulado até setembro fugiu de todas as expectativas. “Esperava algo em torno de 3%, não perto de 18%.” Se o reajuste fosse aplicado, Thalita teria de desembolsar quase R$ 1.900. Seria necessário cortar outros gastos para arcar com o aumento. 

Assim como Thalita, outros inquilinos estão sendo beneficiados pela manutenção dos aluguéis. “Hoje o ambiente é de negociação”, afirma o presidente da Associação das Administradoras de Bens Imóveis e Condomínios de São Paulo (AABIC), José Roberto Graiche Júnior. A entidade reúne 90 imobiliárias.

Graiche diz que de cada quatro imóveis disponíveis para locação na cidade de São Paulo, um está vago. Antes da pandemia essa taxa estava em 18% e o mercado estava reagindo no começo do ano. Mas com a crise, a vacância aumentou. “O proprietário não quer ser mais um com imóvel desocupado, então acaba compondo.” 

Graiche pondera que a negociação depende do tempo de contrato e que a manutenção dos valores é mais aplicada às locações novas, com cerca de um ano, cujos preços do aluguéis estão menos defasados.

Antecipação

Prevendo tempos bicudos, a imobiliária Lello criou pela primeira vez um programa para se antecipar à negociação. Fez uma força-tarefa enviando mensagens de texto e e-mails para os donos de imóveis sugerindo a manutenção dos aluguéis, conta a diretora jurídica da imobiliária Moira Regina de Toledo Bossolani. 

Do total que responderam a enquete, 35% abriram mão do reajuste, 42,03% propuseram um reajuste, mas por um valor menor do que o previsto no contrato, 18,41% reajustaram normalmente e 4% pediram reavaliação do contrato.

“Resolvemos antecipar a negociação com os locadores porque este ano está sendo bem peculiar”, diz Moira. No início, foi necessário renegociar por causa da pandemia. Quando a poeira baixou, veio a surpresa do IGP-M beirando os 18%. “De antemão, percebemos que isso poderia causar impacto nos locatários que neste momento ainda estão se recuperando.”

Para Bruno Oliva, coordenador de pesquisas da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), embora o IGP-M seja um indicador amplamente utilizado para reajustar valores de locação, ele não retrata as condições de oferta e demanda por aluguel. “Neste contexto, não há razão para que ele reflita a realidade do mercado. É um índice composto por diversos itens, de preços ao consumidor final (as famílias) e custos de material de construção até insumos industriais.”

Ele lembra que, nos últimos 12 meses até setembro, o IGP-M, que é muito afetado pelo câmbio, subiu quase 18% enquanto o Índice FipeZap de locação teve aumento de 3,2%. “Em situações como esta em que estamos agora, é comum haver negociação para que o IGP-M não seja repassado integralmente, justamente por não representar a realidade do mercado de locação”, diz Oliva.

Descolamento

De acordo com o Quinto Andar, plataforma de aluguel de imóveis, desde março, quando a pandemia de covid-19 se intensificou no País, houve um descolamento entre os valores de locação que eram pedidos nos anúncios e os dos contratos que foram fechados. Se antes da pandemia, o locatário conseguia pagar, em média, 3,7% a menos do que o pedido no anúncio, em outubro, a diferença era 10,8% menor em São Paulo e 13,5% menor no Rio. 

Os dados da empresa apontam que o freio na economia e as incertezas causadas pela pandemia fizeram com que os preços dos aluguéis caíssem 6,2% entre o início do ano e outubro em São Paulo. Já no Rio, essa queda foi de 3,27%. Segundo a plataforma de locação de imóveis, há um desalinhamento entre as expectativas de retorno dos proprietários com o aluguel de seus imóveis e uma menor disposição do inquilino a pagar valores maiores.

“A crise causada pela covid-19 acentuou a queda dos preços em SP e RJ. Com a preocupação de uma segunda onda do coronavírus, como se vê na Europa, o futuro da economia ainda é incerto. Isso dificulta qualquer tipo de previsão em relação ao valor do aluguel”, diz Fernando Paiva, gerente sênior de Dados do Quinto Andar. (Estadão)

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