Evo Morales, ex-presidente da Bolívia, discursa em evento do MAS na região Central da Bolívia — Foto: Aizar Raldes / AFP

Pelo terceiro dia seguido, cocaleiros têm bloqueado várias rodovias ao longo da Bolívia. Com pedras, troncos e pneus em chamas, eles pedem a renúncia dos juízes que desqualificaram, em dezembro, o ex-presidente Evo Morales como candidato para as eleições presidenciais de 2025. Na decisão, o Tribunal Constitucional Plurinacional (TCP) fixou em dois mandatos — contínuos ou não — o tempo máximo em que o presidente e o vice-presidente poderão permanecer no cargo executivo.

Segundo a imprensa local, os camponeses exigem a renúncia dos juízes do tribunal superior que, a partir de uma decisão da Justiça, tiveram seus mandatos prorrogados na ausência de um acordo político para convocar eleições judiciais no ano passado, e novas eleições judiciais.

A Administração de Rodovias boliviana registrou 16 bloqueios, a maioria deles concentrado em Cochabamba, berço político de Morales e onde pelo menos 130 caminhões estão retidos, seguida por Potosí e Oruro. Em declarações à imprensa, o líder dos cocaleiros, Humberto Carlos, disse que o movimento “irá crescer”.

— [O movimento] está apenas começando e outras regiões e outros pontos se juntarão a eles — alertou Claros.

O secretário-geral da Federação Cocaleira de Chimoré, Andrés Almanza, disse à rádio Kawsachun Coca que a demanda é “nacional, e não setorial”. A federação de camponeses do departamento de Santa Cruz, o motor econômico do país, anunciou em um comunicado que se juntaria ao protesto que teve início na segunda-feira.

Durante os dois primeiros dias, foram registrados confrontos esporádicos com a polícia em Cochabamba, que usou gás lacrimogêneo. A organização, segundo a imprensa local, alega que teria sido uma resposta aos manifestantes que atiraram pedras e alguns explosivos. Um jovem de 19 anos foi preso na terça-feira, em um dos pontos de manifestação no departamento. O diretor da Força Especial Anticrime (Felcc), citado pela imprensa boliviana, afirmou que o detido carregava um bastão de dinamite.

O ex-presidente denunciou que o governo “reprime e ameaça criminalizar o protesto social”. Em uma publicação feita na terça-feira na rede social X (antigo twitter), Morales escreveu: “Exigências justas são resolvidas com diálogo, não com julgamentos, gases ou ameaças de morte e ferimentos.”

As manifestações — que o governo descreve como “sabotagem” — estão causando perdas diárias de US$ 128 milhões, de acordo com estimativas do Ministério da Economia. A empresa estatal de transporte aéreo estabeleceu voos de solidariedade para os passageiros retidos pelos bloqueios.

Na semana passada, centenas de apoiadores do ex-presidente foram reprimidos com bombas de gás lacrimogêneo em Sucre, capital administrativa da Bolívia, ao tentaram tomar um tribunal em protesto contra a decisão do TCP e para exigir a renúncia dos magistrados.

A decisão

O protesto foi convocado em represália à recente decisão do Tribunal Constitucional Plurinacional, que impede o ex-presidente de concorrer novamente. Ao fixar em dois mandatos os cargos de presidente e vice-presidente, Morales é vetado de concorrer a uma nova candidatura, já que foi presidente da Bolívia por três mandatos consecutivos (entre 2006 e 2009, 2009 e 2014, e 2014 e 2019).

A Corte afirmou que a reeleição indefinida “não é um direito humano”, portanto ela pode ser regulada por regras internas dos países. Com isso, os magistrados anularam uma decisão anterior, de 2017, tomada pelo mesmo tribunal, e que permitiu ao ex-presidente se candidatar a um quarto mandato nas eleições de 2019. Naquele ano, as urnas lhe deram a vitória, mas o resultado e sua própria candidatura foram questionados pela oposição, que apontou para uma suposta fraude.

Morales renunciou ao cargo em novembro de 2019, pressionado pelo que ele chamou de “tentativa de golpe de Estado”. Ele precisou deixar o país para não ser preso pelo governo interino de Jeanine Áñez — que, por sua vez, acabou na prisão. Retornou ao país em novembro de 2020, após a vitória de seu ex-ministro da Economia e então aliado, o atual presidente Luis Arce, nas eleições daquele ano.

Em uma coletiva de imprensa, o ministro da Justiça, Iván Lima, rejeitou a tentativa dos camponeses de “proteger uma única pessoa que só pensa em si mesma”. Também se referindo a Morales, a Ministra da Presidência, María Nela Prada, afirmou que “a verdadeira intenção dos bloqueios é impor uma candidatura”.

Disputa política: Morales x Arce

Os protestos acontecem em meio a um racha entre Morales e o atual presidente, Luis Arce, que levou à expulsão de Arce do Movimento ao Socialismo (MAS), partido com o qual venceu as eleições de 2020 apadrinhado pelo ex-mandatário. As disputas internas no MAS, que incluem denúncias de corrupção e até de ligação com o tráfico de drogas trocadas entre dirigentes e ministros, devem causar muitas turbulências até a definição do nome do partido nas urnas.

O roteiro é quase idêntico a de outros afastamentos vistos na política latino-americana: um presidente escolhe seu sucessor, pavimenta sua ascensão à Presidência e, já instalado no poder, o protegido rompe com o mentor e se torna seu rival. Álvaro Uribe e Juan Manuel Santos, na Colômbia; Rafael Correa e Lenín Moreno, no Equador; e agora Morales e Arce, na Bolívia.

Eles se enfrentariam nas primárias do partido. No entanto, Arce deixou a legenda em outubro passado, ou se “auto-expulsou”, segundo o partido, ao faltar o congresso que consagrou Morales como candidato às prévias. Outros 28 militantes leais a Arce, entre eles deputados e funcionários do governo, também foram expulsos. Durante o congresso, o MAS também modificou os estatutos para que apenas militantes com 10 anos de partido possam se candidatar. Arce não cumpria tal exigência.

Sem a origem indígena ou o carisma de seu mentor, Arce conseguiu fortalecer sua liderança entre as bases sociais e sindicais por meio da concessão de incentivos. Contudo, sua desaprovação chega a 50%, segundo uma pesquisa da empresa privada Diagnosis. É tido como certo que Arce tentará a reeleição, dada a oposição enfraquecida e a rejeição que Morales desperta em setores econômicos.

Morales, de 63 anos, tornou-se um crítico feroz do governo de seu antigo ministro da Economia, de 58, após expor a suposta corrupção e tolerância das autoridades com o narcotráfico. Em 2022, acusou o ministro do Interior, Eduardo del Castillo, de roubar seu celular e pediu sua demissão, apontando também o vice-presidente, David Choquehuanca, que foi seu chanceler, como responsável por uma campanha de difamação contra ele.

Arce reafirmou Del Castillo no cargo, o que marcou o ponto de ruptura na relação com Morales. 

Com informações de O Globo (Com AFP)

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