O professor Caraíba tentava colocar alguma ordem na sala de aula, dizendo: “Atenção alunos, façam silêncio, que eu vou já começar a ditar a prova”. Num primeiro momento, os alunos respeitavam o comando do professor e faziam silêncio, mas assim que ele voltava para a sua mesa, colocava os óculos de fundo de garrafa no rosto e começava a ler o jornal, que ele lia todo dia na sala, tudo voltava a ser como era antes, uma bagunça só, que parecia um bando de “periquito na mangueira”.

“O senhor não tirou xérox da prova, professor?”, perguntou um aluno, para logo em seguida outro aluno responder aos gritos que não iria fazer a prova porque não tinha caderno e nem caneta. “Eu também não vou fazer a prova porque não estudei”, disse Fabiano. “E quando é que você estuda?”, respondeu Carlos. Houve um princípio de confusão. Fabiano tentou acertar um soco no rosto de Carlos.

Para conter a fúria dos brigões, o professor Caraíba voltou a falar: “Pronto! Chegou a hora de a onça beber água!”. “O que isso significa professor?”, preguntou Heleno, também um dos alunos mais bagunceiros da sala, ao lado de Fabiano e Carlos. “Que a prova já vai começar! Anotem aí”, respondeu o professor. “Primeira questão”, continuou ele. “Qual é o valor da vida?”. “De onde viemos?”. “Para…”.

O professor Caraíba nem chegou a ditar a terceira questão da prova, quando foi interrompido, novamente, pelo estudante Heleno. “Onde vamos encontrar as respostas para essas perguntas, professor?”. “Eu vou ditar todas as perguntas e em seguida vou distribuir um texto para auxiliar vocês nas respostas”. “Muito obrigado! O senhor é um excelente professor!”, disse Heleno ironicamente. “Vamos deixar o professor passar a prova dele e depois tiramos as nossas dúvidas”, interveio Fabiana, a representante da sala. “Pronto, falou a sabichona”, disse Carlos.

Enquanto Fabiana e Carlos discutiam, vieram sobre a mente do professor lembranças de quando ele tinha iniciado no magistério, num misto de tristeza e alegria. “Digam o que quiserem, mas o mal da educação de hoje em dia é o afrouxamento das regras.

Crianças e adolescentes precisam de alguém que falem mais alto que eles. Se os adultos, pais e professores, não demostrarem pulso firme, que são eles que dão as cartas, os jovens levarão à vida sem assumir suas responsabilidades e viverão para sempre nas suas próprias ignorâncias, esperando que o mundo progrida sem a sua participação. Ou seja, o sistema anárquico não ajuda em nada na formação moral dos jovens”, refletia.

Quando Heleno e Carlos foram até a mesa do professor, parecendo que eles haviam combinado entregar a prova juntos, o professor Caraíba ficou pensando no que escreveu John Dewey sobre a importância da educação na vida das pessoas: “A educação é a base para a compreensão e o respeito mútuo em um mundo diversificado”, dizia o filósofo e pedagogo norte-americano.

Curiosamente, naquele dia, o estudante Fabiano, foi o último a entregar a prova. Antes, porém, ele disse: “Hoje vi o senhor dizer que nos ama”. O coração do professor Caraíba disparou. “Do que você está falando?”. “É que eu tenho sido cruel com o senhor. Por isso peço desculpas pelas vezes que lhe fiz sofrer, eu e meus colegas. Eu estava lembrando aqui…”. “Não precisa Fabiano! Você é muito inteligente. Você só precisa respeitar as regras, ter foco, empenho e disciplina. Tenho certeza que tu serás feliz. Afinal, não é para isso que vivemos?”. “Isso mesmo professor, para sermos felizes!”, respondeu Fabiano.

E para não quebrar o encanto do nascimento daquela nova amizade, o professor Caraíba disse para Fabiano: “Acho que chegou a hora da minha aposentadoria. Há trinta anos iniciei no magistério…”. “Não professor, o senhor ainda tem muito que contribuir na sala de aula”. “É preciso saber parar”. “O senhor vai sentir a nossa falta?”. “Não sei te explicar”. “Quem sabe ainda exista magia?”. “Você está certo. Talvez seja isso: magia. Magia pela educação. Magia por ensinar. Magia por aprender”.

Quando Fabiano deixou a sala de aula, juntamente com a sua irmã Fabiana, que ficara ali para apoiar o irmão, o professor Caraíba ficou refletindo, mais uma vez, nas palavras do legítimo patrono da educação brasileira, Paulo Freire: “Educação não transforma o mundo. Educação muda às pessoas. As pessoas transformam o mundo”.

Luís Lemos é filósofo, professor, autor, entre outras obras, de “Jesus e Ajuricaba na Terra das Amazonas” e “Filhos da Quarentena”.

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