IStock/ Gopixa

Em 2021 o Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) publicou a primeira edição desta análise em ultraprocessados, onde evidenciou pela primeira vez um perigo duplo: além de causarem problemas crônicos de saúde, os ultraprocessados também estão contaminados com agrotóxicos. Agora, em 2022, o segundo volume da pesquisa apresenta resultados de testes sobre a presença de resíduos de agrotóxicos em alimentos ultraprocessados comuns na mesa do brasileiro.

O segundo volume da pesquisa é realizada com o mesmo método científico e metodologia de testagem de agrotóxicos, mas desta vez analisando ultraprocessados de origem animal, como carnes e leites. Foram 24 amostras de produtos de oito categorias de alimentos ultraprocessados que estão entre alguns dos mais consumidos pelos brasileiros, como salsicha, empanado de frango e requeijão. 

 

Resultados

Os resultados foram bastante preocupantes. De 24 ultraprocessados derivados de carnes e leite analisados, 14 apresentaram resíduos de agrotóxicos. Todas as categorias de produtos de carne e 2 das 3 marcas de requeijão apresentaram resíduos desses compostos, entre eles o glifosato, agrotóxico que é considerado como “provável cancerígeno” pela ONU. Apesar de já ter sido proibido em diversos países, no Brasil segue sendo o agrotóxico mais utilizado. 

Os produtos onde se encontrou mais resíduos de agrotóxicos foram o Empanado de Frango (nugget) Seara, com 5 agrotóxicos, o Requeijão Vigor, com 4 agrotóxicos, e empatados no terceiro lugar do ranking do veneno, estão o Requeijão Itambé e o Empanado de Frango (nugget) Perdigão com 3 agrotóxicos.

Já as bebidas lácteas Nescau, Toddy e Pirakids e os iogurtes Activia, Nestlé e Danone não apresentaram resíduos. Ainda assim, a pesquisa do Instituto afirma que é possível que o produto analisado tenha dado resultado negativo para a presença de resíduos nesse lote, mas que o resultado seja diferente para outros lotes.

 

Posicionamentos

Dentre as marcas citadas, as empresas Vigor e BRF se pronunciaram sobre a pesquisa.

“A Vigor realiza controles de qualidade com os mais altos padrões encontrados no mercado e, de acordo com o estabelecido na legislação pertinente, controla e examina seus insumos, neste caso, o leite. Sobre o estudo em questão, a empresa informa que não teve acesso a informações importantes para que pudesse, na ocasião, analisar e rastrear o lote do produto citado, tais como data de fabricação e/ou validade do produto, laudo técnico, laboratório onde foi realizada a análise, data de realização do exame e método específico utilizado. A companhia reforça que realiza constantemente programas de controle interno em todas as suas unidades fabris e postos de captação de leite, bem como o monitoramento através de laboratórios credenciados na rede brasileira de qualidade do Leite-RBQL, não tendo verificado a presença de inseticidas, acaricidas e agrotóxicos em seus produtos. Além disso, o MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento), por meio de coletas do programa nacional, controla constantemente a presença dessas substâncias, estando a Vigor em plena conformidade. A empresa reforça mais uma vez que preza pela saúde e o bem-estar de seus consumidores e tem como prioridade a Segurança dos Alimentos, bem como a garantia da qualidade de seus produtos em todas as etapas da cadeia de produção.”, declarou a empresa Vigor.

 

“A BRF esclarece que seus produtos são devidamente fiscalizados por órgãos competentes, como a Anvisa e o MAPA, que utilizam padrões internacionais de pesquisa para detecção de eventuais resíduos de defensivos agrícolas, eventualmente utilizados pelos produtores de insumos na ração animal. A Companhia ressalta que aplica internamente rigorosos padrões de qualidade que atendem à regulamentação da própria Anvisa e do MAPA e são reconhecidos por diversos organismos de controle. A Companhia informa, também, que retornou o contato do IDEC respondendo a todos os questionamentos levantados pelo instituto.”, diz a empresa BRF.

 

Monitoramento

O Instituto enviou notificações para todas as empresas responsáveis pelos produtos analisados em que foram encontrados agrotóxicos. Os dados também foram enviados ao MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) e comunicados à Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), apesar da agência ter a política de só monitorar a presença dessas substâncias em alimentos in natura. 

Carlota Aquino, diretora executiva do Idec, considera essa brecha no monitoramento de agrotóxicos em ultraprocessados preocupante. “Muitas pesquisas anteriores e inclusive o próprio programa de monitoramento da Anvisa identificaram agrotóxicos em frutas, legumes e verduras in natura, o que pode induzir o consumidor a pensar que esses alimentos são menos seguros do que os ultraprocessados. Nossas pesquisas vêm para expor essa lacuna e para cobrar do governo a realização do monitoramento, a fiscalização, e a ampla divulgação dos resultados das testagens de resíduos de agrotóxicos em alimentos, e a expansão das análises para incluir os ultraprocessados.”, afirma Carlota. 

O Idec encomendou a análise a um laboratório que é referência nacional, acreditado pelo Inmetro, credenciado no MAPA e utilizado pela Anvisa. O resultado foi organizado pela equipe multiprofissional do Instituto e transformado numa cartilha detalhada. 

 

De olho na insustentabilidade do nosso sistema alimentar

O alto uso de agrotóxicos é um problema sério, porém, não é o único ponto crítico de nosso sistema alimentar baseado na produção e consumo de ultraprocessados e produtos de origem animal. A expansão insustentável da agricultura, motivada em partes por hábitos alimentares desequilibrados, aumenta a vulnerabilidade humana e dos ecossistemas e tem como consequência a competição por terras e água. 

Para Rafael Arantes, coordenador do Programa de Consumo Sustentável do Idec,é preciso avançar nas discussões em relação à inexistência ou lacuna de regulação sobre o assunto, e, especialmente, buscar que o Estado exerça efetivamente seu papel de monitorar e fiscalizar sobre a presença de agrotóxicos. Esses resultados servirão para dar transparência e demandar ações nos setores da sociedade civil, empresas públicas e privadas, e subsidiar as agências reguladoras.” 

Acesse a cartilha com o estudo completo

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