Foto: JOEL SAGET / AFP

Inicialmente criada para a diabetes tipo 2, a semaglutida – vendida pelo nome comercial de Ozempic – demonstrou ter um dos melhores efeitos de perda de peso já alcançados pela ciência, com poucos efeitos adversos. O potencial alavancou as vendas do medicamento, que cresceram 77% em 2022 em relação ao ano anterior, segundo a farmacêutica Novo Nordisk. A “febre Ozempic”, porém, custa caro, e os altos preços já têm levado pacientes no Brasil a buscarem alternativas nos planos de saúde ou pela rede pública.

Segundo dados compilados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) a pedido do GLOBO, de 2021 para 2022 as reclamações de negativas das operadoras para cobertura do remédio saltaram 550%. Foram somente seis queixas registradas há dois anos, contra 39 no ano passado. A tendência é que o crescimento continue neste ano: apenas no primeiro semestre, a agência já identificou 24 reclamações, enquanto no mesmo período de 2022 eram somente seis.

— O que justifica esse boom é a eficácia e a segurança desse medicamento. E é um remédio que no Brasil pode ser comprado sem receita retida. Mas é importante lembrar que o fato de ele ser seguro não significa que ele seja isento de efeitos colaterais. Os mais comuns são náuseas, enjoos e constipação intestinal. Qualquer tipo de tratamento, seja qual for a finalidade, precisa de uma indicação e acompanhamento médicos — afirma o endocrinologista Ricardo Oliveira, diretor do Departamento de Endocrinologia do Esporte e Exercício da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM).

Os registros da ANS são um exemplo de como o uso do remédio, muitas vezes em desacordo com o que está registrado na bula, tem crescido no país. Em nota, a autarquia destaca, no entanto, que a legislação “exclui a obrigatoriedade de cobertura ao fornecimento de medicamentos para tratamento domiciliar” pelos planos, por isso as queixas não resultam em liberações.

— Os planos de saúde só precisam cobrir o tratamento hospitalar. A partir do momento em que o paciente sai do hospital, a operadora não é mais obrigada a cobrir. A exceção são os tratamentos medicamentosos domiciliares para casos de câncer, que aí a legislação obriga a cobertura — explica o diretor do centro de pesquisas em direito sanitário (Cepedisa) da Faculdade Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), Fernando Aith.

O Ozempic também não está disponível na rede pública, uma vez que não foi incorporado ao Sistema Único de Saúde (SUS). O cenário, porém, tem levado pacientes a recorrem à Justiça, que pode ser favorável ao usuário por entender que aquele é o melhor tratamento para ele, obrigando SUS e planos a oferecerem o remédio. A caixa com quatro canetas, que dura um mês, custa cerca de 850 reais.

Como funciona o Ozempic? E para que ele é indicado?

A grande questão é que, muitos dos pedidos não são destinados ao uso para tratar a diabetes tipo 2, como estabelece a bula do Ozempic, mas sim para perda de peso. Nesses casos, ainda que seja para quadros importantes, como de obesidade, o especialista explica que é mais difícil conseguir a liberação por ser um uso off label (diferente da bula).

O funcionamento do Ozempic, e seu impacto no emagrecimento, tem provocado dúvidas em relação a sua real finalidade, ao passo que o uso inadequado para fins estéticos tem crescido. De acordo com um monitoramento da Novo Nordisk, nos últimos meses houve um aumento de quase 40% nas “vendas de produtos irregulares”, como para o uso diferente daquele aprovado pelas agências de saúde. No Brasil, a farmacêutica chegou a alertar os pacientes sobre uma potencial falta do fármaco nas farmácias, “resultado de uma demanda muito maior do que a prevista”. A expectativa é que o abastecimento seja normalizado durante o segundo trimestre do ano. 

Nova geração de remédios para obesidade

Os especialistas ouvidos pelo GLOBO destacam a importância de se combater o uso inadequado da semaglutida, mas celebram o fármaco como uma arma importante no arsenal disponível para tratar a obesidade. Eles reforçam que, embora a doença ainda seja vista como uma falta de cuidado, ou algo que pode ser resolvido apenas com mudança de hábitos, essa não é a realidade para a maioria.

— Existe o estigma de que perder peso é fácil, que ser obeso é falta de vergonha na cara, não saber fechar a boca. Essa ideia está enraizada na sociedade, então a atenção que se dá à obesidade não é a mesma que outras doenças recebem. Mas hoje temos uma ciência muito clara que a obesidade é uma doença multissistêmica, que envolve fatores genéticos, ambientais, psicológicos, e taxar a obesidade como só comer menos e fazer exercícios é simplificar demais uma doença complexa e muito prevalente — afirma Oliveira, da SBEM.

A discussão cresce junto ao percentual de adultos com o diagnóstico no Brasil. Segundo a edição mais recente do Atlas da Obesidade no Mundo, deste ano, até 2035 41% da população adulta brasileira deve ter obesidade. O estágio considera pessoas cujo Índice de Massa Corporal (IMC) é acima de 30 kg/m².

Com informações de: O Globo

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