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BRASÍLIA e SÃO PAULO – Um projeto multibilionário para produção de minério de ferro na Bahia, lançado há mais de uma década pelo governo Lula 2 e de grande interesse da gestão petista estadual, começa a ganhar tração com um impulso do governo federal. Trata-se do complexo industrial da Bahia Mineração (Bamin), formado pela mina Pedra de Ferro, em Caetité (BA), por um trecho da ferrovia Oeste-Leste (Fiol) e por um terminal portuário em Ilhéus (BA).
O negócio, segundo apurou o Estadão, conta com duas “alavancas” para finalmente sair do papel. A primeira é a liberação de financiamentos por parte de instituições financeiras públicas ou de verbas do próprio Orçamento. Já a segunda envolve um plano de aquisição da empresa, que desde 2010 é controlada pela Eurasian Resources Group (ERG), com origem no Cazaquistão e sede em Luxemburgo. A compra da empresa está sendo estudada pela Vale.
Nos últimos cinco anos, o grupo cazaque tentou atrair sócios estratégicos para viabilizar investimentos da ordem de R$ 30 bilhões no complexo da Bamin, mas não obteve sucesso. Agora, para sair do negócio, está pedindo no mínimo o valor que aportou até hoje na companhia: US$ 1,2 bilhão, o equivalente a R$ 6,5 bilhões, segundo pessoas que acompanham as conversas. Esse valor não considera o que pagou na compra da empresa, em 2008 e 2010, um total de US$ 1 bilhão (cerca de R$ 1,7 bilhão, com base na cotação do dólar à época).
A compra do complexo industrial, por valores ainda não definidos, está sendo analisada dentro da Vale pela diretoria de fusões e aquisições, segundo pessoas ouvidas pela reportagem, que falaram na condição de anonimato. A aquisição se daria por meio de um consórcio, que envolveria também a Cedro, uma mineradora de médio porte de Minas Gerais, e o BNDESPar, o braço de investimentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
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O negócio ainda depende de uma série de tratativas internas no âmbito do banco de fomento e das empresas envolvidas nas conversas. Mas, nesse meio tempo, a Bamin já vem recebendo um “impulso” federal.
No fim de setembro, a mineradora baiana ganhou prioridade para um empréstimo de R$ 4,6 bilhões do Fundo da Marinha Mercante (FMM). O objetivo é ajudar a viabilizar a construção do terminal portuário em Ilhéus, cujo investimento é orçado em US$ 1,3 bilhão (R$ 7,1 bilhões). O FMM é um fundo público vinculado ao Ministério de Portos e Aeroportos e é abastecido pela arrecadação advinda de uma taxa que incide sobre o transporte de cargas.
Para obras de infraestrutura portuária, o FMM oferece carência de até quatro anos e prazo de amortização que pode se estender por 20 anos. Os juros anuais variam de 2% a 7%, a depender do porcentual de conteúdo nacional e de itens importados. Para efeito de comparação, a taxa básica de juros da economia (Selic) está em 10,75%.
O BNDES será o agente financeiro que viabilizará o crédito, segundo apurou o Estadão. Procurado pela reportagem, o banco afirmou que “está à disposição, caso a empresa opte pelo BNDES para o financiamento”, mas ponderou que “não há aprovação para o projeto até o momento”. Em 120 dias, a Bamin terá de apresentar o plano e o cronograma de desembolsos.
Mesmo com o aval do banco ainda pendente, o empréstimo foi anunciado pelo governo no último dia 23, em Salvador. A cerimônia contou com a presença do ministro da Casa Civil e ex-governador da Bahia, Rui Costa, e do atual governador do Estado, Jerônimo Rodrigues, também do PT. O ministro Silvio Costa Filho, de Portos e Aeroportos, também participou.
Em nota, o Ministério de Portos e Aeroportos disse que a priorização do projeto é uma das primeiras etapas para acesso aos recursos do FMM, que antecede a formalização do financiamento. A pasta afirmou, ainda, que “não se envolve nas negociações entre o setor privado e os agentes financeiros para a formalização do contrato”.
Segundo pessoas próximas às negociações, a liberação desse empréstimo à Bamin, além de outros futuros, está atrelada à mudança na composição acionária da empresa, para garantir que haverá capacidade de investimento e, consequentemente, de conclusão do projeto ― visto como prioritário pelo governo Lula.
Não à toa, o investimento de R$ 1,5 bilhão no primeiro trecho da Fiol foi escolhido para selar o relançamento do Programa de Aceleração do Crescimento (novo PAC), uma marca das gestões petistas. A cerimônia foi realizada em Ilhéus e teve a presença de seis ministros de Estado, incluindo Rui Costa, além do líder do governo no Senado e ex-governador da Bahia, Jaques Wagner, e de deputados da bancada baiana.
Na ocasião, Lula pediu aos empresários que fizessem “hora extra”, para garantir a inauguração da obra até 2026. “Queria pedir aos companheiros empresários que estão nessa empreitada: parem de dizer que vão entregar (a ferrovia) em 2027. Vocês têm de entregá-la antes de 31 de dezembro de 2026. Façam um pouco de hora extra, trabalhem no final de semana, se for necessário, para que a gente possa inaugurar logo”, disse o presidente, durante o discurso.
Segundo informações da Casa Civil, o investimento total do PAC para a concessão da Fiol 1 ― que vai de Caetité ao porto em Ilhéus, com extensão de 537 km ― será de R$ 6,9 bilhões, a ser realizado até 2030.
Consórcio entre Vale, Cedro e BNDESPar pode assumir controle da Bamin
A venda do controle da Bamin ainda é um negócio que está nas fases iniciais. No âmbito da Vale, a proposta encontra-se na área de fusões e aquisições e terá de passar pelo Comitê de Investimento, composto por alguns conselheiros e o CEO, Gustavo Pimenta, que assumiu o cargo há uma semana. Passada essa etapa, ainda será necessário o aval do conselho de administração da empresa, que reúne 13 membros.
Já no BNDES, o projeto está em avaliação na área técnica de três diretorias: Mercado de Capitais, Infraestrutura e Indústria. Se houver anuência dos técnicos, o negócio será analisado pelo comitê de Mercado de Capitais e só então seguirá para a diretoria geral do banco. A depender do valor, a transação também precisará da autorização do conselho.
O desenho preliminar do negócio prevê que a Vale ficaria com 50% a 60% do capital, a Cedro com algo entre 20% e 30% e o BNDESPar, até 20%, segundo pessoas conhecedoras das negociações. O controle da sociedade seria compartilhado, por se tratar de uma joint venture. Nesse desenho, a mineradora baiana teria uma gestão operacional independente.
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As conversas também estão em curso dentro da Cedro, mineradora de ferro de Minas Gerais comandada pelo empresário mineiro Lucas Kallas. Ele já integrou o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável (CDESS), o chamado “Conselhão”, que se reúne periodicamente com o presidente Lula.
Antes da Cedro, afirmam pessoas a par da transação, a Vale chegou a convidar um grande grupo siderúrgico da China e a sua sócia na Vale Base Metals (VBM), a mineradora Manara Minerals, da Arábia Saudita, para participar da joint venture. Ambos, no entanto, teriam alegado compromissos com outros investimentos. Nesse meio tempo, a J&F, holding dos irmãos Batista, e a CSN, de Benjamin Steinbruch, teriam também mostrado interesse pela Bamin, mas as conversas acabaram não indo à frente.
O projeto na Bahia voltou ao radar da Vale em 2022, quando o tema da descarbonização (redução das emissões de dióxido de carbono) ganhou prioridade nas siderúrgicas. Neste ano, o interesse ganhou impulso após estudos de uma equação financeira e societária para assumir a companhia baiana. A Bamin é focada na produção ― mais de 60% ― de minério de alto teor de ferro, que se encaixa na classificação “minério verde”, de interesse da Vale e também da Cedro.
Projeto ‘menina dos olhos’ de Lula é chave para atrair financiamento público
O principal entrave para o avanço do complexo industrial na Bahia é a necessidade de alto investimento ― de US$ 5 bilhões a US$ 6 bilhões, o equivalente a algo na faixa de R$ 27 bilhões a R$ 32 bilhões no câmbio atual ―, o que afugenta potenciais interessados.
Nesse cenário, a Bamin vem tentando viabilizar uma estrutura de financiamento que arque com 70% desse montante, com prazos alongados e taxas abaixo de mercado. Atualmente, o projeto já conta com verbas do novo PAC e do Fundo da Marinha Mercante (FMM).
Ainda assim, para ser viável, diz um interlocutor, o volume de produção da mineradora baiana teria de ser na faixa de 40 milhões de toneladas por ano, por conta dos investimentos muito elevados. O projeto atual, porém, prevê produção de 26 milhões de toneladas anuais, o que garante uma vida útil à mina de 25 anos.
Um fator, no entanto, que ajuda a dar fôlego ao empreendimento é o interesse dos governos da Bahia e federal de viabilizar um corredor logístico cortando o Estado de leste a oeste. Com isso, o complexo industrial se enquadraria como um projeto estruturante e entraria na carteira do BNDES.
Esse corredor, unindo o porto (em Ilhéus) às regiões de produção de soja e milho, como Barreiras, é a menina dos olhos de Lula para 2026 e também do ministro Rui Costa.
Nesse formato, cerca de 20 milhões de toneladas de grãos passariam a ser embarcadas no novo porto, deixando de usar caminhões. E, no retorno dos trens, seriam levados fertilizantes para as lavouras de soja e milho da região.
A expectativa é de que, nos próximos meses, estejam equacionadas tanto a estrutura de suporte financeiro aos três eixos do projeto – porto, ferrovia e mina – como a nova composição acionária da Bamin, com a saída do ERG.
Para isso, três etapas ainda são necessárias: finalização do acordo com o grupo do Cazaquistão, com negociações conduzidas pela Vale; definição do pacote de financiamento mais participação da BNDESPar; e, por último, a aprovação do negócio pelo conselho de administração da Vale.
Vale: potencial operação é avaliada ‘à luz de prioridades estratégicas’
Procurada, a Vale reiterou comunicado de 8 de julho, em que afirma que “potencial participação da companhia em operações de aquisição, desinvestimento ou joint venture, ou outras oportunidades de negócios, é avaliada à luz de suas prioridades estratégicas” e que não havia qualquer informação relevante a divulgar sobre as negociações envolvendo a Bamin.
O grupo ERG, controlador da Bamin, informou que “não comenta especulações relacionadas aos seus ativos”. A Cedro Participações declarou que não se manifestaria sobre a transação. Já o BNDES disse que “não comenta assunto que envolva empresa de capital aberto”.
O Ministério dos Transportes, por sua vez, afirmou “que qualquer negociação entre entes privados somente é acompanhada após a apresentação formal da proposta” e que a pasta “segue aberta, como sempre, ao diálogo com quaisquer investidores”.
A Casa Civil e o ministério de Portos e Aeroportos não comentaram a possível venda da Bamin. A pasta de Minas e Energia não respondeu ao contato da reportagem.
Com informações do ESTADÃO