Promotores do Departamento de Justiça dos Estados Unidos pediram ontem (18) a um tribunal federal da capital americana que mantenha presa a suposta espiã russa Maria Butina, de 29 anos, acusada de conspirar para influenciar a política do país. Butina foi detida no domingo, na véspera da cúpula entre o presidente americano,Donald Trump, e o colega russo Vladimir Putin. Os promotores alegam que Butina pode fugir se for libertada, e por isso deve ficar preventivamente detida durante o julgamento. O juiz da Corte Distrital para o Distrito de Columbia atendeu ao pedido da promotoria.
Estudante de ciência política na Universidade Americana de Washington, Butina foi acusada de atos conspiratórios como agente da Rússia “por desenvolver relações com pessoas americanas e se infiltrar em organizações com influência na política americana”, segundo um comunicado do Departamento de Justiça dos EUA. O texto afirma que ela descumpriu a lei americana por não se registrar como agente de um governo estrangeiro. Ela pode ser condenada a cinco anos de prisão.
Nesta quarta, o Ministério do Exterior da Rússia se pronunciou pela primeira vez sobre o caso, dizendo que a acusação não tem fundamento e teve como objetivo impedir que a cúpula entre Trump e Putin, realizada em Helsinque, na Finlândia, tivesse um resultado positivo. A porta-voz da Chancelaria russa, Maria Zakharova, disse que a prisão de Butina parece ter sido motivada politicamente.
— Isso aconteceu com o objetivo claro de minimizar o efeito positivo (da cúpula) — sustentou Zakharova. — Isso dá a impressão de que alguém, com seu relógio e sua calculadora, calculou não apenas a data, mas o horário, para que essa história aparecesse ao máximo — disse ela.
O Departamento de Justiça americano sustenta que a jovem tem mantido contato com operadores de inteligência russos e colhido informações para agentes russos. O órgão já havia indicado que Butina tinha laços próximos com uma “autoridade russa” não identificada. A imprensa aponta que seja o político Alexander Torshin, que foi alto funcionário do Banco Central da Rússia e é ex-parlamentar. Segundo as autoridades americanas, Butina se reportava a Torshin.
MONITORADA DESDE 2016
De acordo com uma reportagem sobre o caso publicada nesta quarta-feira no jornal “Washington Post”, por quase cinco anos a jovem estudante russa de ciência política, hoje com 29 anos, marcou presença em eventos importantes do movimento conservador americano.
Ainda morando em Moscou, ela desenvolveu conexões com líderes influentes da Associação Nacional do Rifle (NRA), forte aliada de Trump, e da Conferência de Ação Política Conservadora (PAC), divulgando seu interesse em assuntos americanos e esforços para promover os direitos de acesso a armas na Rússia.
Butina se aproximou dos candidatos à Presidência pelo Partido Republicano, buscando primeiro um encontro com o governador de Wisconsin, Scott Walker, e depois, com Donald Trump.
No entanto, em agosto de 2016, quando ela se mudou para os Estados Unidos com um visto de estudante, o FBI (polícia federal americana) já estava observando sua movimentação. Em vez de confrontá-la, as autoridades decidiram acompanhar seus movimentos para determinar com quem ela se encontrava e o que fazia nos EUA — tipo de ação que é comum quando há suspeita de estrangeiros trabalhando em nome de um governo.
Naquela altura, ela já havia questionado Trump a respeito de suas opiniões sobre a Rússia em um evento público e se encontrado com o filho mais velho do republicano em uma convenção da NRA. Ela foi ao baile da posse de Trump e tentou orquestrar um encontro entre ele e uma autoridade de alto escalão do governo russo, segundo o FBI.
Em 2017, após se matricular como estudante de graduação na Universidade Americana, em Washington, a suposta espiã começou a interrogar ativistas de esquerda também, tentando entrevistar, sem êxito, um grupo de direitos civis na capital americana sobre vulnerabilidade cibernética para o que disse ser um projeto de aula.
No domingo, alertados de que ela estaria se preparando para deixar Washington em direção a Dakota do Sul, o FBI prendeu Butina sob alegação de que sua infiltração no círculo político americano era parte de um esquema para “defender interesses da Federação Russa”. Sua prisão foi anunciada na segunda-feira, logo depois da cúpula de Trump e Putin em Helsinque.
‘MERA ESTUDANTE’
Advogado de defesa de Butina, Robert Driscoll sustenta que ela não é uma agente russa, apenas uma estudante com interesse em política e contatos com americanos:
“Ela pretende defender seus direitos vigorosamente e busca limpar seu nome”, disse ele em comunicado.
Na Rússia, depois de uma curta carreira como dona de uma pequena rede de lojas de móveis na Sibéria, Maria Butina se mudou para Moscou, onde começou a trabalhar em relações públicas e fundou um grupo chamado Direito de Portar Armas, em defesa de leis mais flexíveis de acesso a armas na Rússia. Em pouco tempo, o grupo conquistou um líder, um senador russo do partido de Putin que chegou a se tornar vice-presidente do Banco Central: Alexander Torshin, membro vitalício da NRA que tinha laços com os conservadores cristãos americanos.
Como assistente e intérprete de Torshin, Butina começou logo a fazer sua própria rede de contatos na NRA, tornando-se próxima de David Keene, que serviu como presidente da associação entre 2011 e 2013. Naquele ano, os dois convidaram Keene e outros apoiadores da liberação do porte de armas para visitar Moscou, em um encontro anual de sua organização.
Lá, ela conheceu Paul Erickson, republicano sediado em Dakota do Sul que a ajudou a fazer contato com figuras políticas influentes “a fim de defender as políticas da Federação Russa”, segundo o Departamento de Justiça. A partir de 2014, ela começou a frequentar convenções da NRA, incluindo encontros da elite da associação.
Igot Shmelyov, líder do grupo russo de Butina, disse que a prisão vei como “um grande choque”.
— Maria tem interesse em armas, então claramente seu círculo social está relacionado a isso — disse ele. — Dizer que tudo isso significa que ela estava defendendo interesses russos é ridículo.
De acordo com o FBI, Torshin seria a suposta “autoridade de alto nível do governo russo” com quem Maria Butina falava frequentemente. Ele estava entre os 17 funcionários da Rússia que foram alvo de sanções do governo americano em abril por participar de “atividades malignas na Rússia”.
“Maria Butina está atualmente nos EUA. Ela me escreve que D. Trump (membro da NRA) é verdadeiramente a favor da cooperação com a Rússia”, escreveu Torshin, em russo, no Twitter, em fevereiro de 2017. (O Globo)