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“Existe a promessa de que eles vão respeitar os direitos humanos. Eu, sinceramente, não confio”, afirmou ao Metrópoles o jornalista e escritor Klester Cavalcanti sobre o novo governo sírio, que está, atualmente, em um processo de transição de regime após quase 60 anos de ditadura ligada à família Assad e 13 anos de guerra civil. Para ele, há o risco de que a Síria se torne um estado islâmico, o que colocaria em risco a existência de grupos minoritários religiosos e étnicos e a liberdade de mulheres.

No poder está o presidente interino Abu Mohammad al-Julani, líder do grupo Hayat Tharir al-Sham (HTS) – responsável pela queda de Bashar al-Assad -, considerado terrorista pelos Estados Unidos, pela União Europeia e pela Turquia.

Com origens na Al-Qaeda, rede terrorista internacional fundada por Osama bin Laden, o novo presidente tenta afastar a sua imagem do passado como combatente radical do ISIS ao mesmo tempo que defende e promete uma “unidade nacional” que respeita os direitos humanos.

Klester, que foi preso e torturado durante o regime de Bashar al-Assad, em 2012, explica que, apesar de o antigo regime ter sido marcado pelo uso de força contra seus opositores, al-Assad defendia a existência de um estado laico – diferente de seu sucessor -, o que acabava por proteger a existência de minorias religiosas e étnicas na Síria.

“Em Damasco, na capital da Síria, eu vi moças usando mini saia, usando blusinha de alça [mostrando os braços]. Eu vi mulher dirigindo automóvel, que para a gente é normal, mas no mundo árabe ainda tem pessoas que acham estranho”, relembra o escritor de Dias de inferno na Síria – livro-relato de sua experiência no país. “Eu vi Igreja cristã perto de Mesquita”.

O jornalista teme que, sob a liderança de al-Julani, o novo governo imponha um estado islâmico regido pelas leis do Islã e a Síria se torne um país mais radical, com restrições à liberdade das mulheres, à liberdade religiosa e ataque às minorias etnicas.

“No primeiro pronunciamento dele, depois que o Bashar fugiu da Síria, ele fez um pronunciamento na grande mesquita de Damasco. No discurso, ele disse que a queda do governo era uma vitória para a nação islâmica”, relembra Klester.

O escritor acha “muito difícil um cara que foi da Al-Qaeda aceitar que as mulheres saiam na rua com a roupa que quiser. Que uma igreja cristã esteja aberta perto de uma mesquita”, argumenta. “Vou ficar muito feliz se eu tiver enganado”, concluiu Klester Cavalcanti.

Limpeza étnica

Em dezembro passado, em uma ofensiva relâmpago, o então ditador Bashar al-Assad foi retirado do poder depois que o grupo rebelde Hayat Tharir al-Sham (HTS) – de orientação sunita – tomou controle das cidades de Homs e Damasco, os principais centros de poder do país.

Após três meses relativamente calmos de novo governo e sob olhares de desconfiança da comunidade internacional, a Síria voltou a enfrentar, nas últimas semanas, uma onda de violência. Dessa vez, um levante de apoiadores alauítas do antigo regime de al-Assad deu início aos confrontos em duas cidades costeiras.

Grupos religiosos e étnicos na Síria

  • 70% da população é muçulmana sunita. Eles acreditam que o fundador do Islã, o profeta Maomé, não declarou explicitamente um sucessor.
  • 13% da população é muçulmana xiita. Eles creditam que Maomé designou seu primo e genro Ali ibn Abi Talib como seu sucessor e o primeiro em uma linha de imãs hereditários.
  • 10% da população é alauíta, uma dissidência dos xiitas conhecidos por celebrar um calendário de feriados religiosos que mistura datas muçulmanas e cristãs. O antigo ditador Bashar al-Assad é alauíta.

Segundo o governo da Síria, o conflito começou após membros remanescentes do regime Assad atacarem militares ligados ao HTS na região costeira do país. A reação foi violenta e forças militares foram enviadas para reforçar a área.

Com a escalada de violência, pessoas leais ao novo regime comandado pelos sunitas, passaram a apoiar às forças de segurança, e diversos ataques à alauítas foram registrados.

De acordo com o Observatório Sírio de Direitos Humanos, mais de 1,4 mil pessoas já morreram desde então em decorrência do conflito. Deste número, a organização aponta que 973 mortos eram civis, sendo de maioria alauíta. O governo é acusado de limpeza étnica.

“O que está acontecendo no país (…) são desafios que eram previsíveis. Temos que preservar a unidade nacional, a paz civil, tanto quanto possível e, se Deus quiser, poderemos viver juntos neste país”, disse o presidente interino Abu Mohammad al-Julani, em um discurso.

Al-Julani determinou a criação de um comitê independe para investigar a onda de violência e punir os responsáveis.

Com informações de Metrópoles 

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