Dei-me férias deste espaço e só pretendia voltar a escrever a partir da próxima semana. Acontece que fui surpreendido com um movimento que leva o nome do título da coluna e que busca impedir que o prédio da Praça dos Remédios, onde funcionou a Faculdade de Direito, vá ao chão, transforme-se em escombro, por absoluta desídia. Quem me convidou para integrar o grupo, criado no zap-zap, foi o doutor Júlio Antônio Lopes e, por isso, a ele credito o mérito da ideia. Se estou em erro, que me perdoe o titular do direito autoral, ao qual manifesto minha mais profunda admiração. Afinal de contas sou apenas mais um humilde adepto de algo que busca impedir que um crime contra a história, prestes a ser cometido, venha a ser consumado. Se conseguirmos mantê-lo na fase da tentativa, por certo haverá desistência voluntária, restando impuníveis as condutas omissivo-comissivas já praticadas.

Sobre a importância do objetivo colimado, pouco tenho a dizer depois de ler o texto elaborado pelo professor, historiador e cientista social Pontes Filho, que assim se manifesta: “Apesar de bastante deteriorado e do atual estado de abandono, o prédio na Praça dos Remédios que sediou, ao longo de décadas, a faculdade de Direito da atual Universidade Federal do Amazonas, constituiu um expressivo acervo da memória acadêmica e do acervo cultural amazonense”. E pondera: “Não se trata de nostalgia nem de culto ao tradicionalismo conservador, mas de reconhecer o imenso valor desse símbolo de educação jurídica, cívica e de formação profissional que integra o rol de elementos do patrimônio cultural do Amazonas”.

Aí está. O prédio que se quer restaurado e conservado não é apenas mais uma construção de alvenaria. Adquiriu vida, pulsou e vibrou no sangue e na esperança dos milhares de jovens que o frequentaram na busca da realização dos sonhos de suas existências. Fui um deles. A aprovação no vestibular, no distante ano de 1961, me impunha a obrigação de usar o paletó para assistir às aulas. Era o traço distintivo da academia de então, onde seria impensável a exibição da sandália japonesa, da esportiva bermuda ou da camiseta regata. Afinal, ainda se estudava latim e a filosofia não havia sido abandonada como mercadoria descartável, de tal modo que a Velha Jaqueira exigia de seus privilegiados integrantes o mínimo de compostura. E por que não haveria de exigir? Buscava-se a formação de bacharéis em direito comprometidos com a ética e com os conhecimentos estruturais da ciência de Ulpiano. E tudo isso acontecia sem a existência de ventiladores e no tempo em que os aparelhos de ar refrigerado eram tema de ficção científica.

Cuido ter de explicar o uso da expressão “privilegiados integrantes”. Não se trata de elitismo, como hão de já estar pensando os eventuais opositores ou desafetos deste “velho comunista”. Nada disso, meus bons e singelos beócios. Dá-se que ser aprovado no vestibular da Faculdade de Direito, pelo menos na minha época, era façanha a exigir “tempo integral e dedicação exclusiva”, por isso que, sendo a mais procurada e praticamente a única, a escola tinha um número de vagas proporcionalmente muito restrito, de tal maneira que vencer o exame preliminar era motivo de júbilo, de glória e de memoráveis comemorações etílicas. E era também motivo de orgulho andar pela Avenida Eduardo Ribeiro, envergando o paletó, na crença de que toda a gente estava olhando admirada para “aquele jovem que estuda na Faculdade de Direito”. É tolo? Pode parecer que sim, mas naquela época era o máximo de “status” a que alguém da classe média podia aspirar.

Mas se outro motivo não houvesse para impedir a completa destruição do prédio dos Remédios, é imperativo lembrar que ali trabalhou uma figura humana das mais ternas que já conheci. Sobre ela já aqui escrevi: “Ela era a responsável pela cantina na velha Faculdade de Direito da Praça dos Remédios. A todos chamava de “doutor”, mesmo a um moleque como eu que, ainda sem ter completado dezoito anos, iniciei o curso no longínquo ano de 1961. Humilde, afável, bondosa e gentil. Era dona Ocridalina da Rocha Freitas, de todos conhecida como dona Idalina, síntese naturalmente imposta e adotada por preguiça ou comodidade. O cafezinho, a tapioca e o bolo de macaxeira faziam a delícia de catedráticos e alunos. Entre estes o fiado era comum, o que decorria da “lisura” quase generalizada imperante entre aqueles espécimes da classe média, todos em busca de um lugar ao sol numa sociedade estratificada e conservadora. O diploma cintilava ao longe, como um Graal, cuja posse deveria significar a redenção. Às vezes deu certo para alguns. Com outros, nem tanto, que certificar a conclusão de um curso nunca foi certeza de correto aprendizado.”

Pois é. Às razões científicas do doutor Pontes Filho acrescentei este amontoado de sentimentalismo. Perdoe-me, doutor Júlio Antônio. Perdoem-me todos os que já se integraram ao movimento, mas esta é a única forma que eu tenho, na minha singeleza e na minha insuperável ignorância de tudo, de dizer que não acredito na vitória da estupidez. Prefiro acreditar que a Velha Jaqueira será salva. Torço por isso para não ter que me envergonhar. Para não ver a banal destruição de um monumento que não merece os efeitos da ignorância histórica. Velha Jaqueira, quanto da minha vida a ti devo! Perdoa-me se não correspondi ao que me deste.

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