Eu acabara de comer o pudim de leite feito por dona Ione. É cozinheira da melhor qualidade e, frequentasse as altas rodas, seria inevitavelmente chamada de “chef”. Depois do doce foi a vez do guaraná Magistral, com o qual ainda me lembro de alguns lances da minha infância, antes de a bebida nos ser imposta com o insuportável sabor champanhe (aviso aos que pensarem em me detratar que não estou recebendo dinheiro para fazer propaganda). Vamos ao que interessa: logo em seguida, acessando a internet, vejo uma advertência, em letras garrafais, de que açúcar faz mal à saúde e quem não quiser abreviar sua condição de cadáver deve evitar ao máximo o seu consumo.
Danou-se. Já não é de agora que o sal sofre acusações semelhantes, aos terríveis argumentos de que é prejudicial para a pressão arterial, podendo causar enfartos e tsunamis pessoais. Comer manga verde com o dito cujo, nem pensar; pode ser o caminho mais breve para, sendo você católico, receber a extrema unção e obrigar seus familiares à ligação para a funerária mais próxima. Felizes com a restrição ficariam nossos semelhantes da Idade Média, quando o sal era produto de luxo, podendo ser adquirido apenas pelos privilegiados.
Ora, mas se não posso (ou devo) comer sal nem açúcar, vou comer o quê? Fico imaginando um pirarucu seco e insosso. Que coisa pavorosa! Não mais o prazer de sentar no boteco, onde inclusive se vende querosene, tomar um gole de bebida e puxar uma lasca da manta do peixe que está pendurada ali bem pertinho. É um tira-gosto delicioso, mas definitivamente ameaçado por mais uma cruzada terrorista contra o que é consagradamente bom. Acho que a esses propagandistas da desgraça está fazendo falta um curso, mesmo que à distância (como está na moda) de boemia. Se soubessem o que é, em plena madrugada, pedir “mais uma” e outra porção de queijo com azeitona, por certo diminuiriam tanta frescura.
Veja só, meu escasso leitor, o meu caso pessoal. A pandemia, com toda a miséria que causou, deixou em mim uma crise de ansiedade. Por conta dela, recebo, até hoje, ajuda profissional que, por se mostrar eficiente, já reduziu a quase zero os incômodos dessa enfermidade absolutamente cretina. De qualquer forma, já me impôs uma restrição da maior gravidade, embora saudável na visão desse grande médico que é o doutor Aristóteles de Alencar: fui obrigado a deixar de fumar cigarros. É bem certo que, seguindo o natural processo de adaptação do ser humano, hoje me contento com um solitário cachimbo, nas horas noturnas de leitura.
Mas a que veio toda essa conversa? É simples: se já não posso fumar, vício que cultivei desde os quinze anos (estou com oitenta), não posso comer manga verde com sal, nem pudim, ou beber guaraná, parece-me que estou à beira da completa desesperança. Decididamente não vou me submeter a essa pretensa ditadura nutricional. Ela se apresenta como meramente de ocasião. Lembro-me, por exemplo, de que, pouco tempo atrás, o ovo era o vilão da vez. Fazia subir o colesterol, causava derrame e seria responsável pela impotência sexual. Um simples ovo de galinha seria capaz de causar tudo isso. Que coisa brutal! Quem é que se pode furtar ao prazer de degustar um ovo frito na manteiga, acompanhado de um pão bem quente?
Definitivamente, não. Vão tocar suas trombetas em outra freguesia, arautos do pânico. Daqui a pouco (e era só o que faltava) vão estar divulgando que o Johnnie Walker vermelho causa demência, Alzheimer e caduquice. Se isso acontecer, seria eu obrigado a compartilhar com minhas netas o pão com nutela.
Tolice: nutela é açúcar puro. Fico mesmo com o uísque.