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A empresa de um servidor do Ministério da Fazenda fechou um contrato sem licitação no valor de R$ 15,75 milhões com o Ministério das Comunicações. O objetivo é realizar a capacitação de crianças e adolescentes de baixa renda em novas tecnologias.
O montante destinado à empresa foi empenhado (reservado para pagar) no começo de dezembro e será liquidado antecipadamente em uma única parcela, algo incomum na administração pública.
A empresa em questão é a Rede Brasileira de Certificações Pesquisa e Inovação (RBCIP), uma organização sem fins lucrativos, com sede em Brasília (foto em destaque) e fundada em 2019. Ela tem como sócio e diretor-presidente o auditor federal do Ministério da Fazenda Marcelo Fiche.
Em 2013, Fiche era chefe de gabinete do então ministro da Fazenda, Guido Mantega, e foi afastado por suspeita de receber propina de uma empresa de comunicação que tinha contrato com a pasta.
Uma funcionária da empresa, que repassaria as propinas aos servidores, denunciou o caso na extinta revista Época, o que gerou uma investigação policial. Mas o inquérito foi arquivado em 2016 após a Polícia Federal (PF) entender que não havia provas de corrupção.
Pagamento adiantado
A legislação brasileira não permite tal prática com dinheiro público. No entanto, uma portaria conjunta dos ministérios da Fazenda, Gestão e Inovação, e da Controladoria-Geral da União, de agosto de 2023, passou a autorizar o pagamento antecipado apenas para “fornecimento de equipamentos e materiais especiais de fabricação específica”.
Tal portaria foi usada pelo Ministério das Comunicações como justificativa para a quitação integral e adiantada.
As informações citadas na reportagem podem ser conferidas em documentos públicos do Sistema Eletrônico de Informações (SEI) do Ministério das Comunicações, processos judiciais, consulta da Receita Federal e Sistema Eletrônico de Agendas do Poder Executivo Federal (e-Agendas).
Defesa do pagamento adiantado
Procurado pelo Metrópoles, o empresário Marcelo Fiche disse que a RBCIP tem experiência comprovada na área de ensino de tecnologia itinerante em escolas públicas e que apresentou o projeto para diferentes políticos, até conseguir a emenda da Comissão Senado do Futuro.
A previsão do projeto, que custa R$ 15,75 milhões, é atender 15 mil alunos até 2026 nos estados do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina, Mato Grosso do Sul, Alagoas, Roraima e do Maranhão.
“Eu não vou dizer que nós somos os únicos que podem fazer um projeto itinerante nas escolas públicas, mas eu digo que sou o único no Brasil que fez um projeto avaliado e que sabe como gerenciar. Toda essa parte de gestão é quase uma exclusividade nossa. Chamamento é quando vai pegar pessoas que talvez nunca fizeram um projeto desses”, avaliou o empresário, que tem doutorado em economia. Ele destacou que a empresa também participa de processos seletivos pelo país.
No caso do contrato com o Ministério das Comunicações, Fiche defendeu que houve um trabalho de convencimento da pasta e justificativa dos valores, o que foi aprovado pela área técnica do órgão.
Sobre o pagamento adiantado em parcela única, Fiche avaliou que a medida é importante para a empresa conseguir menores preços à vista. “Se sobrou recurso, o dinheiro é do ministério e pode ser reaplicado no projeto ou não.”
Já em relação ao processo por suspeita de corrupção em que foi inocentado, Fiche afirmou que foram acusações infundadas contra ele e outros servidores. “Ali foi só uma acusação e nunca teve nada. Se era verdade, por que não deu em nada? Misturar isso com o projeto de agora é uma maldade da imprensa.”
Escolhido por maioria
O senador Izalci Lucas reiterou por telefone que na época da destinação da emenda já não existia nenhuma pendência judicial contra Fiche. O parlamentar disse que conhece o empresário pelo menos desde 2012, quando o parlamentar era secretário de Ciência e Tecnologia do DF e Fiche liderava projetos de pesquisa em universidades de Brasília.
Izalci Lucas defendeu que a escolha da RBCIP teve como base o projeto apresentado, assim como outros que teriam sido sugeridos por senadores para receber verba de emenda da comissão. Ainda segundo o senador, são priorizados os projetos defendidos por uma maior quantidade de senadores.
Em nota, o Ministério das Comunicações informou que não é responsável por indicar a empresa sem fins lucrativos que vai receber o recurso.
“Merece destacar que o MCom respeitou todos os parâmetros legais ao longo da análise das fases processuais permitindo firmar o Termo em questão, em conformidade com os preceitos fundamentais da administração pública federal”, escreveu em trecho da nota.
Sobre a investigação arquivada envolvendo Marcelo Fiche, o ministério disse que analisa apenas a situação jurídica da empresa e não a das pessoas físicas.