Soou o gongo para o início do último round na luta insana que Bolsonaro deliberou travar contra as instituições do estado democrático de direito. Em um canto, no ringue, o próprio abominável com as luvas já manchadas pelas ignominias que praticou. Em outro, o sistema jurídico nacional que conseguiu resistir a todas investidas desleais e aos golpes baixos desferidos pelo adversário.

Não tem sido um embate fácil. Depois que a extrema direita se assumiu como tal (e esse foi o fenômeno político mais importante na trajetória de Bolsonaro), nunca se comportou de acordo com as regras estabelecidas. Não se trata apenas do manuseio de fortunas para a divulgação de falsas notícias. Vai mais além: a utilização do fanatismo religioso de alguns grupos de evangélicos é um espetáculo vergonhoso e deprimente. Nesse show, é inevitável que se presenciem cenas ridículas como a continência a pneus, a invocação de extraterrestres e as aglomerações na frente de quartéis.

Mas isso era só a exteriorização de uma ridicularia. Na outra face, os protagonistas se empenhavam no desempenho de papéis muito mais macabros e perigosos. Tramava-se a prática de crimes da maior gravidade, inclusive homicídio. Não é para esquecer que estavam na linha de fogo o presidente e o vice-presidente da República, bem como um ministro do Supremo Tribunal.

No rastro de sangue que ficaria desse massacre, a Constituição Federal, já encharcada, seria singelamente jogada no lixo. Os criminosos, então cantando vitória, tomariam nas mãos o poder e estaria implantada no país uma nova ditadura. O abominável acreditava que, dessa aventura golpista, sairia ele como ditador. Até no sonho se revelava um tolo, já que seus asseclas, com mais estrelas no ombro, jamais lhe dariam essa oportunidade.

A tramoia foi por águas abaixo. Quando o 8 de janeiro revelou a insanidade golpista, as instituições tomaram um choque de alerta e entraram em funcionamento. Tudo seguiu as regras o catecismo, no caso o Código de Processo Penal. Instaurou-se o inquérito policial, onde diligências foram feitas, provas foram colhidas e fez-se o indiciamento dos supostos autores dos delitos. Com o relatório, o inquérito seguiu para a Procuradoria Geral da República que tinha três opções: denunciar os indiciados, pedir novas diligências ou opinar pelo arquivamento. Prevaleceu a primeira e a denúncia chegou à Corte Suprema. Agora mostro aos leigos o roteiro: o tribunal recebe ou rejeita a denúncia. Se recebida, os réus serão citados para apresentar defesa. Segue-se a instrução processual em que serão ouvidas testemunhas arroladas pela acusação e pelas defesas. Podem ser produzidas provas técnicas, como perícias. Os acusados que o desejarem serão interrogados. Encerrada a fase instrutória, as partes apresentarão suas alegações finais e só então o feito estará pronto para julgamento. A isso se chama observar o devido processo legal, com o respeito ao contraditório e à ampla defesa. Na sessão deliberativa, o ministro relator apresenta seu voto que será ou não acompanhado pelos demais componentes do tribunal. A decisão, é claro, é tomada por maioria de votos.

Depois disso só resta executar a sentença. Em sendo absolutória, os réus presos serão devolvidos à liberdade e os demais permanecerão livres. Na hipótese de haver condenação à pena de prisão e não sendo o caso de substituição por penas alternativas, serão os réus recolhidos ao cárcere.

Essas são as expectativas para quem zombou dos acometidos por falta de ar, negaceou vacina, subtraiu joias do patrimônio público, endeusou e endossou a ação de torturadores, falsificou cartões de vacina e tramou contra a democracia. Se fosse eu, no lugar dele, não estaria muito alegre ou esperançoso. Afinal de contas, apesar de sempre ter agido como um mentecapto, Bolsonaro não pode ter perdido a lembrança das atrocidades que praticou e a que deu causa. E, como diz o povo, quem semeia ventos, colhe tempestades. Parece que o mito ou vai à lona ou joga a toalha, numa fuga vergonhosa.

Viva o samba que proclama: “anistia pra fascista é o cacete”.

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