Na série Vozes da Educação de Manaus (VEM), conhecemos histórias que revelam a força e a sensibilidade de quem faz da docência uma missão de vida. Hoje, a voz é da professora Janice Salles, pedagoga, mestre em Educação, mãe e filha de professora, que encontrou cedo no ato de ensinar não apenas uma forma de independência, mas também um caminho de transformação. Com mais de uma década de experiência na rede pública, entre a Zona Leste e a Zona Norte de Manaus, Janice fala de desafios, sonhos e esperanças, mostrando que, apesar das adversidades, acredita profundamente no poder da educação para mudar destinos e tocar vidas.

1. Quem é você? Conte-nos um pouco da sua trajetória de vida!
Sou Janice Salles, tenho 43 anos, sou casada há 18 anos e mãe de uma menina linda de 9 anos. Trabalho como pedagoga há 11 anos em uma escola municipal da Zona Leste de Manaus e, há 9 anos, sou professora de ciclo em uma escola estadual da zona norte da cidade. Sou mestre em Educação e cresci com a Educação como parte da minha vida, por ser filha de professora. Sempre acreditei que poderia contribuir positivamente na formação de outras pessoas e, por isso, nunca desisti da educação.

2. Quando a sala de aula passou a fazer parte da sua vida? Quais lembranças mais vivas desse começo ainda acompanham você?
A sala de aula entrou na minha vida aos 14 anos, quando comecei a dar aulas de reforço e alfabetizar crianças com dificuldade de aprendizagem, perto de minha casa. Fiz isso por quatro anos, mas na época não pensava ainda em ser professora. Era uma forma de ter meu próprio dinheirinho, já que, para meus pais, era um pouco difícil. Lembro-me de ter tomado a decisão de largar um emprego no comércio, onde ganhava mais, para estagiar em uma escola particular, ganhando muito menos. Meus empregadores ficaram surpresos ao perceber que eu conseguia conduzir uma turma de 5º ano sem nunca ter lecionado formalmente.

3. Olhando para trás, qual é a mudança mais profunda que percebeu na educação ao longo da sua trajetória até hoje?
Gostaria muito de dizer que a educação avançou muito e que as crianças hoje respeitam os professores, mas, infelizmente, o cenário é contraditório. Vivemos em um sistema que prioriza índices e metas, muitas vezes mascarando o aprendizado real das crianças. As escolas públicas enfrentam salas superlotadas, com mais de cinco crianças inclusas sem acompanhamento pedagógico adequado. Além disso, muitos pais passaram a enxergar os professores como adversários. A mudança mais profunda, na minha experiência, é a dificuldade dos alunos em compreender a importância de estudar para aprender de verdade. Claro que cada realidade é diferente, mas esta tem sido minha experiência.

4. Quais autores, mestres ou experiências foram centelhas que iluminaram seu caminho como professora?
Paulo Freire, Vygotsky, Wallon, Ana Teberosky e Emília Ferreiro sempre me acompanharam, inspirando um olhar que valoriza a afetividade no processo de ensino-aprendizagem, o prazer de ler sem obrigação e a construção de uma relação respeitosa entre professores e alunos.

5. Que horizontes ainda deseja alcançar na educação? Há um sonho ou projeto que guarda consigo e gostaria de realizar?
Busco sempre melhorar, seja de forma literária, seja cuidando da saúde mental, para que meu trabalho contribua para a formação de alunos autônomos e atuantes. Meu sonho é que, um dia, os professores sejam valorizados e bem remunerados no Brasil. Meu projeto é alfabetizar crianças com dificuldade de aprendizagem, oferecendo oportunidades reais para que superem suas limitações.

6. Durante sua caminhada como professora, aconteceu alguma história curiosa, engraçada ou diferente que gostaria de compartilhar?
Cada dia em sala de aula é único. Hoje mesmo, ao ensinar divisão para meus alunos do 3º ano, eles aplaudiram a aula e gritaram: “Melhor professora do mundo!”. Momentos assim não têm preço e são a verdadeira recompensa da profissão.

7. Se pudesse deixar uma palavra de inspiração aos colegas professores e àqueles que leem sua história, qual seria?
Meu caro colega professor, ao escolher ou ser escolhido por esta profissão, você já se torna uma pessoa diferenciada e mais humana. Continue firme na luta diária, cuide da sua saúde mental e física e faça sempre o seu melhor. Por eles e para eles. Você ainda fará parte da vida de alguém. Escolha ser lembrado de forma positiva. A educação é o caminho para a transformação de muitas crianças em situação de vulnerabilidade. Que Deus nos abençoe grandemente.

A trajetória da professora Janice Salles é um retrato do compromisso e da dedicação que permeiam a vida de tantos educadores de Manaus. Entre desafios diários, alegrias inesperadas e sonhos por realizar, ela nos lembra que ensinar vai muito além da transmissão de conteúdo: é semear autonomia, respeito e esperança em cada criança que cruza o caminho da sala de aula. Sua história inspira colegas professores e a sociedade a valorizar a educação como um instrumento transformador, reforçando que, apesar das dificuldades, a dedicação de um docente deixa marcas que duram por toda a vida.

Luís Lemos é professor, filósofo, escritor, autor, entre outras obras de, “O primeiro olhar” (2011), “O homem religioso” (2016), “Jesus e Ajuricaba na terra das amazonas” (2019), “Filhos da quarentena” (2021), “Amores que transformam” (2024) e “Noite Santa” (2025).

Instagram: @luislemosescrito

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