Felix Valois

Que a minha inteligência é reduzida não se discute. A mim se aplica, como luva, a afirmativa do filósofo grego: “Eu só sei que nada sei”. No caso dele, pura modéstia. No meu, a realidade incontroversa. Em assim sendo, confesso que gostaria de um pouquinho mais de luzes neste bestunto para ver se eu conseguia entender esse negócio de protestos contra a Copa. Pelo que leio e ouço, parece que estamos a vinte dias do apocalipse, quando as trombetas soarão e o Brasil será engolfado pelo turbilhão do nada eterno. E tudo por conta da Copa, esse monstro que se sobreleva à inflação e à miséria e que resolveu assestar suas baterias contra nós, numa batalha de forças monstruosamente desiguais.

Os protestos não devem ser contra o futebol em si mesmo. Afinal de contas é o esporte nacional, motivo de orgulho e alegria, a ponto de Nelson Rodrigues (era inevitável a lembrança) ter afirmado que “a seleção é a pátria de chuteiras”. Vai daí que se quem protesta está se posicionando contra o nosso time e torcendo para que ele perca, está dando uma demonstração de refinada idiotice, na medida em que nada pode deixar um brasileiro mais feliz do que ganhar uma competição contra a Argentina, só para citar um exemplo. Ademais, quem gosta de perder precisa de cuidados especializados e eu recomendo os serviços do psiquiatra amazonense, doutor Rogélio Casado.

Contra o quê se protesta, então? Vejamos. Desde que os portugueses desembarcaram em Porto Seguro são decorridos quinhentos e quatorze anos e um mês. Nesses cinco séculos, o Brasil sediou apenas uma Copa do Mundo, de tal maneira que me custa crer que aquele evento, no longínquo ano de 1950, tenha exercido influência decisiva nos rumos que deliberamos adotar. Perdemos para o Uruguai, é certo, mas isso entra na linha de flutuação dos fatos, já que nem sempre vence o melhor, como diria o Conselheiro Acácio, com a habitual arrogância. Não me consta, porém, que 50 seja responsável pelo que veio depois.

Um presidente da República se matou. Dez anos após, outro presidente foi deposto por um golpe militar e a ditadura que se seguiu durou duas décadas, marcadas pelas torturas, opressão e intolerância. Não é de meu conhecimento que algum ponta-direita da seleção, ou mesmo algum dirigente da FIFA, tenha participado de qualquer dos governos ditatoriais, de forma que fica difícil estabelecer uma relação, ainda que remota, entre a Copa e a ditadura, no sentido de justificar algum temor de que a competição deste ano traga de volta a desgraça de sessenta e quatro.

O certo é que lá se vão sete décadas e mais quatro anos desde que tivemos uma Copa em solo brasileiro. Por que será que a de agora infunde tanto receio? Diz-se que não é razoável despender dinheiro com ela na situação em que nos encontramos. Será isso, mesmo? Tentemos equacionar. Vamos admitir que o Brasil não foi escolhido para sediar o torneio, cujo início se dará, digamos, na capital de Uganda. Significaria isso que não gastamos um tostão com estádios nem com qualquer obra direta ou indiretamente relacionada à competição. E daí? O SUS, esse flagelo nacional, estaria recuperado e funcionando às mil maravilhas? O ensino público teria melhorado a ponto de não mais fornecer matéria prima para as imbecilidades reveladas pelo ENEM? As estradas nacionais teriam deixado de ser meros leitos carroçáveis, de forma a permitir um transporte de qualidade? Francamente, a minha santa ignorância não me permite dar resposta positiva a qualquer das indagações.

Que usaram a Copa como pretexto para a prática de maracutaias, disso não duvido. Aqui mesmo, no Amazonas, assistimos impassíveis à demolição de um estádio pronto e acabado para que outro fosse erguido no mesmo lugar. Ora, se o próprio Maracanã sofreu apenas reformas para se adaptar às exigências regulamentares do campeonato, por que com o Vivaldão tinha que ser diferente? Mesmo admitindo que fosse, não seria muito mais barato simplesmente construir um novo estádio, em outro local, é claro? É, meu caro e ingênuo leitor, mas aí quem se iria beneficiar com os elevados custos da demolição? Isso, porém, não é culpa da Copa em si mesma, ficando mais por conta da permissividade que permeia a administração pública em nosso gigante, o qual continua “deitado em berço esplêndido”.

Muito mais perniciosas que a Copa são as políticas assistencialistas, com a proliferação de bolsas e cotas, como se vivêssemos numa sociedade de inúteis. O governo dá esmolas, mas não assegura trabalho. O governo fornece a bolsa escola, mas não cuida de melhorar o nível de ensino, pagando miséria para os professores e enganando os alunos com um sistema que, cinicamente, não admite reprovações. O governo fomenta o preconceito com o estabelecimento de cotas raciais em todos os segmentos, mas não se preocupa em criar as bases verdadeiras para a construção de uma sociedade igualitária.

Mas de nada disso eu entendo, como reconheci desde o início. Por isso, já estou com minha camisa verde e amarela devidamente lavada e passada, esperando pelo momento em que vibrarei com o primeiro gol contra a Croácia. E contra os que se lhe seguirem, até a final de 13 de julho, quando apagaremos de vez a triste lembrança de cinquenta. Por isso, o meu protesto fica adiado até outubro, quando, aí sim, mesmo sem mais ser obrigado a votar, estarei de voto em punho para ver se conseguimos pôr fim a essa sequência de doze anos de mensalões, demagogia e irresponsabilidade.

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