Felix Valois

Imaginemos um retorno ao século XVIII. Uma febril atividade política se desenvolvia em França, no preparo do que veio a se transformar na revolução de 1789. A monarquia sobrevivia precariamente na UTI, com Luís XVI e Maria Antonieta brincando eventualmente de marido e mulher em seus palácios, enquanto a plebe vegetava em condições abomináveis. Nos bastidores, a intelectualidade cimentava os alicerces filosóficos do movimento, convocando para tal as melhores cabeças da época. Era hercúleo o seu objetivo: reunir todo o conhecimento numa obra única, que por isso mesmo, fora batizada de Enciclopédia. Sabe-se que lograram êxito quase total, apesar dos preconceitos religiosos que levaram Roma a incluir o livro no terrível índex de proibição, prática que infelizmente ainda hoje alguns cultivam.

Mas eu me ponho a pensar: como se teriam saído Denis Diderot e Jean d’Alembert, principais artífices da empreitada, se tivessem tido o grato de prazer de conhecer a doutora Dilma Rousseff, essa ilustre dama que se diz “presidenta”? Tão vasta é a gama de conhecimentos por ela demonstrados, tão intensas e memoráveis são as lições que ela nos tem ministrado, que os dois franceses se veriam em palpos de aranha para incluir tanta sapiência na Enciclopédia. Voltaire se renderia extasiado e Rousseau haveria de ir tomar um cafezinho para não ser humilhado por tão grande figura. Cuido mesmo que um volume inteiro da obra haveria de ser dedicado exclusivamente para a nossa Chefe de Estado (ou seria Chefa; francamente estou em dúvida. Afinal de contas, não sou nenhuma Dilma), tanta e tamanha é a sua erudição.

Como se sairia, por exemplo, o encarregado de escrever sobre as fontes de energia. Não havia eletricidade e a energia nuclear era impensável. Ninguém cuidaria, portanto, de hidrelétricas e termelétricas, da mesma forma como não poderia haver qualquer menção à fissão átomo. Mas de energia eólica eles entendiam. Os ventos já tinham demonstrando seu grande potencial, impulsionando as grandes navegações, sem o que, aliás, Cabral e suas caravelas não teriam vindo aqui aportar. Havia, pois, que escrever sobre os ventos como forma de energia, capaz de dar suporte a um determinado modelo econômico. Muito bem – há de estar dizendo o meu raro leitor –, que escrevessem sobre os ventos. O que a Dilma tem com isso? Ora, o que! Quanta ingenuidade e falta de informação, meu benevolente e escasso leitor. Tudo porque você não se deu conta de que, não faz dez dias, a nossa inefável presidenta buscou uma revolução no mundo das ciências, propondo estudos sérios e imediatos sobre a possibilidade de se estocarem os ventos. É isso mesmo. Se os ventos nos podem ser úteis, por que permitirmos que eles passem tão rapidamente e nunca mais voltem? É um desperdício de perdulários, de gente que não pensa no futuro. Armazenemos o sopro de Eolo, assim, quando em momento de dificuldade nos faltar o produto, nós desempacotaremos os ventos e os deixaremos fluir com liberdade e leveza, para nosso gáudio e satisfação. Se ainda não sabemos como realizar tão melindrosa operação, há um indício de grande valia para o começo dos estudos em tal sentido: a radiografia da caixa craniana da doutora Dilma não deixa dúvidas quanto à possibilidade científica de obtermos sucesso no empreendimento.

Chega a vez de outro enciclopedista demonstrar a que veio em matéria de infância. Não era um terreno que desse chance para muitas digressões. Naquela época, as crianças, em termos de direito, eram pouco mais do que coisas. Sem escolas, analfabetas e famintas, não haveriam de ser fonte de inspiração para a produção científica, salvo aquela libertária e de grandes aspirações futurísticas. Em assim sendo, o verbete correspondente da Enciclopédia não poderia ser lá grande coisa. Tudo estaria resolvido, contudo, se dona Dilma tivesse podido dar sua contribuição. Para ela, a criança é tudo: é pai, mãe, avó, tia, de tal maneira que já está no forno um decreto presidencial transformando o Dia da Criança no Dia da Família. E, sim, ia esquecendo: quando ela olha para uma criança, ela sempre vê algo oculto. Da última vez, a visão de raio x da “presidenta” bateu em cima de um infante e ela conseguiu visualizar um cachorro. Coitado do menino!

Só mais uma coisa que eu duvido que alguém soubesse e que, com certeza, não está na Enciclopédia. Em livro nenhum, eu acho, mas que veio a lume em razão da genialidade com que a senhora Rousseff se tem comportado à frente da brasileira nação. Houve época, ela revelou com ênfase e de forma peremptória, em que a Humanidade não era humana. O que era antes, eu não sei. Como poderia sabê-lo, eu, mísero mortal, que não bebo na fonte dos gênios. Fosse o que fosse, porém, o que é certo é que, depois de se tornar humana, a Humanidade adquiriu o hábito de contar histórias e dele não mais se afastou, o que fez a ilustre sábia a enfatizar o caráter altamente educativo das novelas, ponto alto da transformação que se operou depois que a humanidade se tornou Humana.

Talvez seja esse hábito que me faz ficar escrevendo essas histórias. Afinal, acho que eu também sofri a transformação. Que, de resto, não é apanágio nosso. Dizem que, em outros tempos, os jumentos não eram asininos. Mas se transformaram. Dona Dilma é a prova cabal dessa mutação.

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