Felix Valois

Há os que não se conformam com a velhice, tendo-a como intolerável, mesmo sabendo que a outra opção (morrer jovem) não é algo que se possa ou deva recomendar. Nesse time joga meu querido irmão Alfredo Moacyr Cabral, que não se cansa de enumerar as mazelas causadas pelos seus setenta e seis anos, alguma coisa assim como uma lista infindável de problemas que, segundo ele, cresce em proporção geométrica. Eu, cá nos meus setenta e dois, não exibo tamanho radicalismo. Vou encarando o passar do tempo com uma tranquilidade quase budista, como algo que, por inexorável, não merece maior atenção. Claro que num ponto estamos de pleno acordo: chamar a velhice de melhor idade é exercício sádico de humor negro, só se podendo ter a afirmativa à conta de mera pilhéria de mau gosto.

A verdade é que, muitas vezes, o peso se faz sentir, tolhendo-nos atividades quase obrigatórias. Dou um exemplo. Esse tal de ácido úrico, que me obriga ao consumo diário de trezentos miligramas de alopurinol, me impediu de comparecer ao jantar comemorativo do aniversário de oitenta anos do doutor Orlando Cabral de Holanda. É bem certo, devo reconhecer em nome da verdade integral, que a repressão ao cigarro me tem afastado de praticamente todos os lugares onde não posso exercitar meu vício, velho companheiro de mais de meio século. Mas, para o evento, teria eu utilizado até a versão eletrônica, frágil substituto do real sabor das baforadas. Foi mesmo a danada da gota que me fez deixar de ir.

Lamentei, e muito, a minha ausência. Afinal de contas tratava-se de homenagem a um homem com H maiúsculo, profissional competente e servidor público de irretocável perfil, com serviços de alta relevância prestados ao Amazonas e ao Brasil. Holanda se foi graduar em engenharia na Universidade Federal do Paraná. O curso não existia em nosso Estado. Em terras do sul, abriu seu coração para o mundo e se integrou na luta que era de todos os jovens sensatos da época. Clamávamos por uma sociedade mais justa, onde, assentados os princípios da democracia constitucional, fosse buscada a superação das desigualdades sociais, afastada qualquer ideia de paternalismo. As batalhas foram em vão porque acabamos por desembocar no golpe militar de 64, responsável pela implantação de uma cruel ditadura vintenária, que tantos e tão grandes males causou à nação, sufocando os direitos fundamentais e calando, a ferro e fogo, a voz da juventude.

O recém-formado doutor Orlando Holanda não se intimidou com o revés. Muito ao contrário, deu aos novos donos do poder a demonstração mais cabal de sua capacidade técnica, aprimorando conhecimentos com uma pós-graduação em Navegação de Interiores, título conquistado já na Universidade Federal do Amazonas e que representaria apenas o início de uma longa e exitosa carreira, não só na prática da engenharia em si mesma, como também no magistério superior. Hoje, Holanda está aposentado; mas a nossa UFAM o viu lecionar, durante quase quatro décadas, na cadeira de Técnica e Economia dos Transportes, sempre com a admiração e o respeito das gerações que tiveram o privilégio de assistir à sua atuação na cátedra.

Não existe obra de grande porte neste Estado que não tenha tido a participação de Orlando Holanda. A partir do, hoje extinto, Departamento de Estradas de Rodagem do Amazonas, do qual era funcionário efetivo e do qual foi diretor, o engenheiro contribuiu, com dedicação e esmero, em grandes construções voltadas para a infraestrutura. Assim foi, ainda na década dos anos sessenta do último século, com a construção da rodovia BR 174, mormente no trecho que liga Manaus a Caracaraí, no Estado de Roraima, quando atuou como engenheiro de campo. O mesmo se diga da rodovia AM 010, ligando a capital a Itacoatiara, que foi implantada sob o comando e orientação técnica do doutor Holanda.

Seu trabalho também se fez presente no planejamento e construção da BR 319, entre Manaus e Porto Velho, estrada que a incompetência governamental de hoje deixou sucatear e cuja reestruturação encontra inexplicáveis resistências de toda ordem. No âmbito da iniciativa privada, o nosso engenheiro foi responsável pela construção dos conjuntos habitacionais Jardim Yolanda, Jardim Primavera I e II e Mucuripe I, II e III, bem como na expansão do Distrito Industrial da SUFRAMA.

Na administração pública, Holanda já exerceu, dentro de sua área, os mais importantes cargos, tanto no âmbito municipal como no estadual, tais como Diretor do Departamento Rodoviário Municipal, Secretário estadual de Transportes e Secretário de Obras do município de Manaus.

Com tanto tecnicismo, seria de esperar a aridez. Mas Holanda contraria a premissa, por isso que é um homem de extrema sensibilidade artística, versado, entre outras coisas, na boa música popular brasileira, não se contendo quando se trata de acompanhar um samba.

Teria sido, portanto, prazeroso e honroso participar da homenagem a esse octogenário jovial. Ficam minhas escusas, assim como fica o agradecimento pela gentileza do convite formulado por dona Maria de Lourdes, esposa, e por Ana Lúcia, Ana Helena, Ana Paula, Ana Karina, João Carlos, Carlos Rafael, Rodrigo Paulo Victor, Felipe, Ana Cláudia e André, filhos e netos. Muito obrigado. Holanda merece tudo de bom.

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