Finalmente o 7 de Setembro voltou ao normal. Nos dois últimos anos, a arrogância e a irresponsabilidade bolsonaristas deixaram a nação em suspense, ameaçando-a com a realização de um golpe de estado. Nem o bicentenário da independência, que deveria ter tido comemoração especial, conseguiu afastar essa sombra, oriunda de insana fixação do ex-presidente pelo continuísmo. Note-se que, ano passado, a festa cívica teve lugar poucas semanas antes do primeiro turno das eleições presidenciais. Nem por isso Bolsonaro e seus asseclas se pejaram de usar a data como veículo de propaganda para seus ideais antidemocráticos, que sempre tiveram como ponto mais importante a quebra da normalidade institucional. O Congresso e, principalmente, o Supremo Tribunal Federal eram os alvos dessa corrosiva e sistemática marcha contra a democracia.

Passou. Ainda bem que passou. Ainda outro dia um jovem me perguntou a razão de eu ter votado em Lula, explicando-me ele que, pessoalmente, se tinha decepcionado com os anteriores governos do PT. Disse-lhe, de forma bem objetiva, que na eleição do último ano o que estava em jogo não era mera disputa partidária. Não se tratava de escolher entre um e outro candidato. Era algo muito mais elevado. Estava em jogo a própria sobrevivência das instituições democráticas do país, sabendo-se, ademais, que estas foram recuperadas depois de vinte e um anos de uma sangrenta ditadura militar. Não tinha eu, portanto, muita escolha: minha história de vida não me permitia manchá-la indelevelmente votando num homem que representava tudo aquilo que sempre combati como cidadão e como advogado. Ditadura, terra plana, negação da ciência, tudo isso são coisas que me apavoram, não só porque traduzem ignorância e atraso, mas sobretudo porque implicam, em última análise, em ameaça definitiva às liberdades individuais.

Não tenho talento para imaginar o que seriam e como seriam mais quatro anos de Bolsonaro. Arrisco apenas dizer que o Judiciário haveria de ser relegado ao papel de simples homologador das decisões do ditador. A vontade deste, por encerrar ela própria a verdade absoluta, não poderia ser contestada. Hitler e Mussolini que o venham dizer. Dá para evocar, também, Castelo Branco, Costa e Silva, Medici, Geisel e Figueiredo, que, aqui, em terras tupiniquins, bem souberam aplicar os ensinamentos da cartilha nazifascista.

A cartografia teria que sofrer modificações estruturais. Ver-se-ia, aliás, livre de um dos seus permanentes problemas que é transferir para o plano a ideia do redondo. Estabelecido, como estaria por definição, que a terra é plana ficaria muito mais fácil a elaboração, confecção e impressão de mapas, sendo certo que nas cartas de astronomia a Terra apareceria como o centro do universo, com o sol a girar ao seu redor, como era de comum sabença na Idade Média.

Por fim, as vacinas seriam para sempre banidas do cenário nacional, tratando-se todos os males com doses maciças de cloroquina, com a ajuda do eventual emprego de erva cidreira e de folhas de arruda, cuja distribuição pelo SUS seria feita de forma obrigatória e em quantidades ilimitadas.

É. Definitivamente falta-me talento para escrever um roteiro de filme de horror. Mais que isso: confesso que me faltaria coragem para enfrentar esse horror transformado em realidade. Fomos poupados disso. O povo, em gesto de sanidade, disse não aos propagandistas da estupidez.

Quanta tranquilidade tivemos na Festa da Independência!

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