Não me falem mais de mensaleiros nem de Joaquim Barbosa. Já não consigo suportar essa mania que tomou conta do país de achar que a prisão de algumas pessoas significa a afirmação definitiva da democracia, quase como uma conquista histórica. Que coisa tola! Se tudo isso fosse encarado pelo ângulo correto haveria de servir para trazer ao palco das discussões alguns pontos que estão a merecer maior cuidado da parte de quantos se interessam pela cidadania. Veja-se, por exemplo, a questão de o Supremo Tribunal Federal ser transformado em instância originária para o julgamento de uma ação penal. Além de ser um desvio imperdoável das verdadeiras destinações constitucionais da corte suprema, implica na quebra de um dos postulados básicos do processo penal moderno, qual seja o duplo grau de jurisdição. Como os ministros do Supremo também podem errar, se são eles os únicos a decidir uma causa, não há para quem recorrer ao fito de reparar eventual equívoco. Isso é muito grave, mas passa despercebido no furacão frenético que assolou o país.

Entre presos e mídia (leia-se: opinião pública) ficou estabelecida uma relação no mínimo curiosa. Aqueles se querem fazer passar por vítimas de uma brutal injustiça, buscando dar ao episódio uma conotação diferente da que lhe é verdadeira, qual seja, a de um simples julgamento diante da acusação da prática de crimes. “Sou preso político”, brada um, buscando dar-se ares de herói libertário, assim como se de sua conduta tivesse dependido o próprio futuro nacional, tolhido em razão de injustificável opressão. Do outro lado, a massa manifesta um regozijo sádico, entoando hosanas e louvores, parecendo que, com o deslinde do imbróglio, todas as mazelas nacionais desapareceram e passamos a descortinar um porvir de bem-aventuranças.

Nem uma coisa nem outra. Se está errada a própria sede do julgamento, não quer isso significar que a conduta imputada aos réus tenha algo de dignificante. Nenhum deles foi processado por ter empunhado a bandeira da liberdade diante de cruel tirania. Muito ao contrário, estavam todos no exercício do poder, que houveram por bem distorcer, usando-o talvez em proveito próprio. Isso, convenhamos, não é exemplo que possa ser transmitido às futuras gerações, nem pode gerar encômios. Mas é esdrúxulo também o espocar de foguetes pelo cumprimento dos mandados de prisão. Aqui, o de que se deveria cuidar era de um dos mais cruciais problemas do direito penal hodierno, a residir na utilidade da pena privativa de liberdade, instituição que se arrasta, como pena principal, há quase três séculos, sem que ninguém lhe diagnostique a esclerose, nem seja capaz de apresentar tratamento alternativo que consiga justificar a sobrevida da paciente.

Para mim é simples e claro como água da fonte: se, mesmo depois de assegurada a mais ampla e eficiente defesa, sobrevém condenação por ter o réu mexido com dinheiro público, a pena haveria de ser a devolução da quantia em dobro, no triplo ou em décuplo, mas de tal maneira que ficasse resguardado o interesse coletivo, com a devida recompensa para o erário. O mais é inútil e supérfluo. E uma pena que não mostra sua utilidade se transmuda em mera vingança estatal, ensejando essa histeria coletiva que, qualitativamente, em nada difere dos enforcamentos públicos em que era pródiga a humanidade até tempos que ainda não estão distantes na História.

O mais curioso, para mim que de nada sei, é que os institutos de pesquisa estão proclamando a todos os ventos que, fosse hoje a eleição presidencial, a doutora Dilma Roussef seria reeleita no primeiro turno. Minha apoucada inteligência não logra compreender essa contradição. Se as massas vibram com a condenação e prisão dos mais eminentes próceres do PT, como vão reconduzir ao cargo maior do país uma integrante desse partido? Mas estou a divagar ingenuamente. O fato não é novo. Quando o mensalão foi descoberto, reinava Lula I e único, defensor dos pobres e aguerrido operário. Ora, ele nada viu da mutreta, nem dela ouviu qualquer rumor, de tal sorte que, por conta da cegueira e da surdez, foi consagradoramente votado, obtendo monumental reeleição. O quê esperar, portanto, em relação a Dilma? Ela, coitadinha, era apenas ministra, quando o escândalo surgiu e, se o próprio presidente não foi respingado, por que ela haveria de sê-lo?

Parece que ela deve temer apenas a concorrência do ministro Joaquim Barbosa. Transmudado em guardião da ordem e da honra, o ilustre magistrado tem seu nome cogitado para disputar o pleito de outubro do próximo ano, transferindo seu assento, na Praça dos Três Poderes, para o Palácio do Planalto. Está aí outro efeito curioso da histeria coletiva. Parece que assinar e emitir mandados de prisão se tornou a forma mais eficaz de marketing eleitoral. O que, tudo ponderado, me obriga mais uma vez a invocar a sabedoria da minha inesquecível avó materna e proclamar: “Vamos ser bestas”.

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