Há casos de pessoas que se identificam com o local onde vivem, a ponto de ser impossível uma desvinculação. Lembrou da pessoa e, inconscientemente, o local se faz presente, ou vice-versa. É o que se dá entre Erasmo Amazonas e o bairro dos Educandos. Nascido e vivido ali, ele não consegue descurar dos interesses de sua gente, sempre atento aos problemas que se apresentam à comunidade, na incansável tentativa de solucioná-los. Agora mesmo está ele às voltas com questão da maior gravidade e procurou a mim, este insignificante tecedor de palavras, para dizer alguma coisa a respeito. É o que vou tentar fazer, até em homenagem a um dos bairros mais antigos de Manaus, com cuja história se confunde. Educandos do Cine Vitória, do cônego Plácido, do doutor Milton Assensi e do botequim da Dona Miss, está a merecer sorte melhor, devendo ser encontrado o meio de poupá-lo de um vexame. Já basta o monstruoso incêndio que ali ocorreu, devastando a vida de centenas de famílias.

Chega a ser bizarra a história, mas, em síntese, é o seguinte: na esquina da rua Manoel Urbano com o Boulevard Sá Peixoto existe uma Estação de Pré Condicionamento (EPE) que está sendo transformada numa Estação de Tratamento de Esgotos (ETE). Esta última expressão e sua respectiva sigla nada mais são do que o apelido científico de bosteiro. Assim é que os esgotos de Santo Antônio, São Raimundo, Glória, Aparecida, Japiim, Lagos Verde, Crespo, São Lázaro, Betânia, Morro da Liberdade, Santa Luzia e Colônia Oliveira Machado, todos serão bombeados para a tal ETE dos Educandos. Em se concretizando esse projeto, o bairro poderá ostentar, sem qualquer possibilidade de erro, o título de maior latrina do Estado do Amazonas e, muito provavelmente, do Brasil e do mundo.

As consequências são nefastas. A professora doutora Adorela Rebello, geógrafa pela UFAM e especialista em planejamento ambiental, escrevendo especificamente sobre o assunto, adverte: “Ao contrário de uma Estação de Tratamento de Água, a implantação de Estações de Tratamento de Esgotos em áreas urbanizadas tem sido sistematicamente rejeitada pela população por conta de alguns fatores: a geração de gases e odores que elas propiciam e a preocupação com a saúde. É muito frequente a escolha de locais inadequados para a instalação esses empreendimentos. A exalação de gases e odores associados aos sistemas de tratamento de esgotos urbanos é uma questão extremamente grave, constituindo-se em um problema de engenharia e de Saúde Pública ainda não resolvido”.

Nem poderia ser de outra forma, na medida em que, mesmo para os leigos, mexer com cocô não pode resultar em nada agradável para qualquer dos sentidos. Vamos ouvir de novo a doutora Rebello, que dá uma verdadeira aula: “Os decantadores primários (tanques) são a principal fonte do mau odor devido ao fato de serem projetos com uma margem de segurança elevada, o que faz com que ocasionem kum tempo de detenção maior que o recomendado em determinados períodos do dia, sobretudo em dias de aumento de temperatura, quando o mau cheiro se intensifica ainda mais”. E prossegue: “Os reatores biológicos, quando retirados de operação para manutenção, são também fonte de odores. Nos decantadores secundários, o mau odor se deve à presença de lodo ativado em suspensão na superfície do decantador nas ETEs que operam com idade do lodo elevada com vistas à remoção biológica do nitrogênio. Toda essa sequência de etapas causadoras do mau odor é potencializada no tratamento do lodo. Processos como adensamento, digestão desidratação, secagem e estocagem são fontes em potencial para a geração de odores desagradáveis”.

Em petição que dirigiu ao Ministério Público, clamando por providências, a Associação dos Moradores do Bairro de Educandos, apresenta soluções alternativas, assim resumidas: “manter a estação de Pré Condicionamento ali instalada, promovendo algumas melhorias e estender o emissário existente para uma área mais adequada ao empreendimento, onde seria realizado o tratamento secundário que é o mais agressivo; estender o emissário até uma grande área situada nos fundos do PAC de Educandos, pertencente ao patrimônio estadual, estaqueada e distante de moradias; estender o emissário até a margem direita do Rio Negro e, no local, realizar o tratamento do esgoto secundário”.

Como se vê, a situação é da maior gravidade e a ciência é implacável ao encarar a matéria, como bem demonstra ainda a professora Rebello: “O acúmulo de lodo no fundo dos adensadores favorece a decomposição anaeróbica e a consequente produção de H2S e outros compostos de enxofre…, com prejuízos incalculáveis à qualidade de vida e à saúde da população circunvizinha”.

Ouvi dizer que os moradores do bairro, cuja maioria tem suas crenças religiosas, já incluíram em suas preces uma bem objetiva e que assim se expressa: “Senhor, afastai de nós essa merda”. Que sejam ouvidos e atendidos.

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