Felix Valois

Na época em que o “mensalão” estava no auge, o advogado Anderson Bellini Aloísio publicou interessante artigo no sitio do “espaço vital”.

Com o título “a corrupção parlamentar pode invalidar as leis?”, o autor propõe a seguinte questão, que resumo desta forma: admitidas as hipóteses de que um membro do executivo favoreça um concorrente em processo licitatório e de que um juiz receba valores para sentenciar em favor de uma das partes, ninguém, nem a mais ingênua das criaturas, duvidará de que, em ambos os casos, os resultados obtidos estarão visceralmente maculados.

Ocorre um vício de vontade, cuja manifestação, para dar validade a qualquer negócio jurídico, há de ser livre, vale dizer, sem as peias “dos falsos motivos, dolo, simulação ou qualquer outro vício de consentimento”.

E vem a pergunta inexorável: “Por que haveria de ser diferente com os membros do Legislativo que, porventura, tenham votado em determinado sentido mediante o recebimento de valores/favores?”.

Não existindo diferença ontológica entre os comportamentos exemplificados e o que ensejou a indagação, impossível deixar de estabelecer como verdade que uma lei, em cujo processo de votação parlamentar, tenha ocorrido o fenômeno, estará irremediavelmente contaminada.

A teoria do “devido processo legal”, também aplicável ao Legislativo, terá sido sumariamente desrespeitada, produzindo entes de absoluta ilegitimidade, mas que, apesar disso, têm o condão de controlar nosso comportamento, dizendo-nos o que podemos e o que não podemos fazer.

Não se tem notícia de que alguma lei produzida na época em que a prática mensaleira se encontrava a todo vapor tenha sido contestada pelo motivo de que cuido. O que não impede de imaginar que muitas delas tenham sido assim geradas e, até hoje, estejam por aí com ares de validade e respeitabilidade.

Depois que o Supremo Tribunal Federal deixou abertas as veias da Repúblicas, julgando e condenando a maior parte dos integrantes do esquema, a questão deixou de ser hipotética, pelo menos se quisermos admitir que aquela Corte há de ter tomado suas decisões com base em verdades comprovadas. Assim é porque a maioria dos ministros impôs condenação criminal a diversas pessoas, por entender que elas movimentavam um sistema ilícito, consistente em repassar dinheiro a parlamentares com o objetivo de que estes votassem a favor de projetos de interesse dos governantes de então. Não vejo como fugir da única conclusão possível e lógica: as leis que foram votadas e aprovadas mediante essa troca espúria de favores estão insuperavelmente contaminadas por vício insanável de consentimento. E, como todo e qualquer ato jurídico que apresente tal defeito, são nulas ou, pelo menos, anuláveis.

Não fui dos que ficaram apostando para acertar a quantidade de pena que seria aplicada a cada um dos condenados no mensalão. Para mim isso foi o de menos até porque, para manter a coerência científica que sempre busquei nas minhas aulas de direito penal, não vejo a pena de prisão como efetiva e útil para os fins de que se cuida. Muito mais sensato seria exigir a imediata devolução do dinheiro público empregado na transação escabrosa e deixar os condenados em liberdade para que, trabalhando (agora licitamente), tivessem condições de repor, multiplicada, a quantia de que o lulopetismo fez uso tão indecoroso e descarado.

Isso implicaria em aplicar corretamente as noções de utilidade e proporcionalidade da pena criminal, hoje tão desprestigiadas pela avalanche de leis criminalizadoras, decorrentes da tola crença de que o direito punitivo se transformou em panaceia universal. Resta lembrar sobre o tema e como o fez o advogado Anderson, que havia, “na antiguidade clássica, normas que determinavam que o funcionário público corrupto deveria ser amarrado em um saco, juntamente com um animal feroz, sendo, depois, lançado nas águas de um rio”.

Cruel e igualmente desnecessário, principalmente se atentarmos para o fato de que existem leis de proteção aos animais. Mesmo os ferozes. Além do que, qual seria o animal que teria a infelicidade de ser ensacado na companhia de Lula, Dilma ou Eduardo Cunha? Outra coisa: como seria feita a escolha do rio a ser poluído com carga tão abjeta? Os ecologistas iriam a loucura, e com razão.

Volto ao meu ponto: melhor mesmo é tirar essa bandidagem toda do poder, obrigá-la a trabalhar honestamente pelo menos uma vez na vida e compeli-la a devolver aos legítimos donos (nós, cidadãos) tudo o que nos foi subtraído. Com as multiplicações necessárias e juros.

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