Passou o aniversário de Manaus. Tentei escrever algo em homenagem à minha cidade. Faltou-me inspiração. Talento, então, nem se fala. Afinal de contas, Manaus merece o que há de melhor e não haveria eu de presenteá-la com algo mofino e inexpressivo. Eis senão quando, deparou-se-me o texto abaixo, escrito há mais de uma década. Não é nenhuma obra prima. Quem sou eu para produzir algo assim! De qualquer sorte, deliberei transcrevê-lo. Vale pelas lembranças inesquecíveis da Manaus que vi na infância e na juventude. Eis aí:

O professor Odenildo Sena, com pena brilhante e agradável estilo, relatou esta semana sua aventura infantil no deslocamento do bairro de São Raimundo até a subusina, para receber aulas de radiotelegrafia. Tal qual o autor, fiquei pensando no em que se transformou Manaus daqueles tempos até hoje.

A juventude há de ter estranhado, por exemplo, o uso do termo “catraia”, canoa simpática em que atravessávamos os igarapés, quando eles ainda possuíam águas límpidas e calmas, sem colchões, fogões ou sofás. Acho que nestas épocas de monotrilho e arenas já não existem catraias e, se as há, devem ser encaradas como fósseis, meros objetos de investigação arqueológica.

A internet, por sua vez, como pode ser comparada à transmissão dos sinais do código Morse por telégrafo? Hão de pensar hoje: como eram atrasados, colocando fones no ouvido para receber mensagens com traços e pontos! Pelo menos, belos jovens, não havia spam e ninguém podia acessar a conta bancária dos outros com um simples clique.

Da subusina, ali onde termina a Sete de Setembro, na fronteira com o vetusto Educandos, por certo nunca ouviram falar. Agora é a Amazonas Energia, empresa que conseguiu estabelecer uma até então desconhecida incompatibilidade entre água e eletricidade. Não fora assim e nenhum motivo existiria para que fiquemos na mais completa escuridão tão logo São Pedro anuncia a queda das primeiras gotas de chuva, por mais modestas que sejam.

Ninguém sabe mais onde era o Canto do Fuxico. Depois de visitar as Livrarias Escolar e Acadêmica, era quase obrigação da juventude parar na esquina da avenida Eduardo Ribeiro com a rua Henrique Martins e, ali, discutir e sonhar, falando de cerveja, mulher e de socialismo. Exaltava-se a prevalência da marca preferida, revelava-se quem dava e quem poderia dar e se traçavam planos para a sociedade justa que haveria de suceder a selvageria do capitalismo.

Já não há lembrança da Sessão das Moças. Todas as sextas-feiras, no cine Avenida (ficava na Eduardo Ribeiro, jovens, onde hoje é uma loja de departamentos), os filmes eram dedicados à sensibilidade feminina. Era possível, então, ver Maria Felix, Libertad Lamarque e Arturo de Córdova, interpretando o que havia de mais exaltado na alma mexicana. Nada, é óbvio, que se compare ao Big Brother. Não tínhamos chegado a esse grau de imbecilidade.

Um último registro, neste saudosismo temporão: ninguém nunca tinha ouvido falar em “pulseiras do sexo”, da mesma forma como maconha e cocaína eram termos que exigiam consulta aos dicionários. Ah, sim, ia esquecendo: a liberdade era a regra e a criminalidade violenta em Manaus não chegava sequer a tema de discussão para teses acadêmicas.

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