Felix Valois

A caminho do escritório, diariamente utilizo o viaduto Miguel Arrais, aquele que foi a obra mais importante e mais útil do Serafim Correia, na Prefeitura. Ao dobrar na asa direita, é impossível não dar uma olhada para baixo e, então, sentir uma vontade imensa de ver novamente o piscinão do balneário Parque 10 de Novembro, nos moldes em que funcionou até, mais ou menos, o início dos anos 60 do último século. O nome, que acabou se estendendo ao bairro inteiro surgido no entorno, é de uma infelicidade a toda prova. É que, como há idiotas e puxa-sacos em todas as épocas, batizaram o local como homenagem à data em que Getúlio Vargas, no ano de 1937, implantou a ditadura do Estado Novo, tão estúpida e violenta como sua similar militarizada de 64, com a única vantagem de ter durado menos tempo.

Superada essa questão terminológica, é de fato impossível não ter saudade da tal piscina, que nada mais era senão o Igarapé do Mindu, com uma cercadura de cimento, em forma de L, no fim da qual foi feita uma represa com mecanismo que permitia controlar o nível da água, até para fins de limpeza. Naquele tempo a Ponta Negra não era acessível por estrada e os manauaras frequentavam os “banhos”, denominação bem local para o aproveitamento dos nossos inúmeros igarapés, antes da onda avassaladora de poluição que deles tomou conta, transformando-os em esgotos a céu aberto, em cujos leitos é possível encontrar de fogões e geladeiras a colchões e sofás.

O Parque 10 era o único banho da cidade, oficialmente mantido pelo poder público, que ali ergueu um prédio central, onde funcionavam a administração, o salão de danças e o bar. Na imensa área, cuja vegetação sofreu o mínimo de danos, apresentando-se bosqueada, encontravam-se barracas de madeira e palha, onde as famílias se reuniam fazendo piqueniques, com churrasco, peixe assado e, obviamente, cerveja.

Não era fácil o acesso. Numa cidade de pouco mais de cem mil habitantes, a terminar mais ou menos no Boulevard Amazonas, o Parque 10 estava em plena selva, no que se podia considerar a área rural de Manaus. A Rua Recife, única via para aquelas paragens, não passava de um “caminho de onça” e o transporte era precário, com um ônibus (de madeira, é claro) no mínimo de hora em hora. Mas valia pena. A água corrente, gelada e limpa exigia o mergulho. E o conjunto do ambiente ensejava o contato direto com a natureza, tão pródiga e tão dadivosa nestas terras de Ajuricaba.

No mesmo Mindu, a montante do Parque 10, dois outros banhos eram famosos. O “Guanabara” era um clube. Seus associados, que se contavam às dezenas, criaram uma infraestrutura da melhor qualidade, inclusive construindo habitações de lazer no próprio terreno e que eram invariavelmente utilizadas nos fins de semana. Tinha um time de vôlei da mais alta qualidade, com figuras como Tical, Mark Clark e Pavão, que deram muito trabalho ao “Vizinhão”, time oriundo do banho do meu amigo Coracy Brasil, na disputa do campeonato intitulado Vôlei Banho, sob o patrocínio do jornal A Notícia.

O outro era o “Las Palmas”, banho de propriedade da família Vasques, onde os anfitriões, seu Vasco e dona Zaíra, juntamente com os filhos Fernando, Jorge e Carlos, recebiam amigos em avalanche nos domingos ensolarados do “farto verão” amazonense.

No igarapé que descia paralelamente à Rua Recife, uma dupla de banhos foi marcante na minha infância e na minha juventude. A “Chácara do Papai” pertencia à família do comerciante Danilo Peres e ali sempre íamos a convite da minha amiga e colega de turma Marlene Peres. Bem ao lado, a jusante, ficava o “Cafundó”, da família Lemos de Aguiar. Um deles, Clodoaldo, namorou e casou com minha prima Iara e, por conta disso, tínhamos trânsito livre no balneário. Ficaram inesquecíveis as noites de sábado dormidas em rede, no barracão, depois de um jogo de “buraco”, em que minha irmã Zenira era viciada.

Hoje já não localizar exatamente onde ficava o banho de dona Dirce Ramos, denominado “Pedreiras”. Era, suponho, ali onde atualmente está o V-8, nas proximidades de um motel de luxo. A cachoeira formada pelas águas do igarapé era alguma coisa de excepcional.

O Tarumã era bem mais remoto que o Parque 10 e, mais do que ele, a Ponte da Bolívia, ambos em localizações de todos conhecida, mas ambos, igualmente, imprestáveis, sujos e destroçados pela especulação imobiliária que nada perdoa e tudo arrasta na sua ânsia de implantar o que insistem em chamar de “progresso”.

Já não os vejo correndo e fluindo, igarapés da minha terra, nem mais existem os banhos que alimentavam com limpidez. Em suas águas frias mergulhei meus sonhos infantis e juvenis, na esperança de que, assim ungidos, pudessem perdurar ao longo dos tempos, até à chegada desta velhice implacável. Que nada! Foram-se todos ao sabor da corrente. Ficou apenas esta imensa saudade dos banhos de Manaus.

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