Michael Viriato

O preço do ouro atingiu nesta semana o máximo histórico de US$ 2.063,54 a onça. Entusiastas do metal precioso o chamam de ativo de segurança, extrapolam a tendência recente e esperam que a alta continue. Mas será que depois da alta recente é seguro comprar ouro?

Avaliar a tendência de evolução dos preços do ouro não é algo trivial. Os últimos dois presidentes do FED (Banco Central americano), Janet Yellen e Ben Bernanke concordam com o desafio. Yellen afirmou em sua sabatina no Senado americano:

“I don’t think anybody has a very good model of what makes gold prices go up or down” (eu não acho que alguém tem um bom modelo que explique se os preços do ouro vão subir ou cair).

Bernanke acrescentou em 2013:

“nobody really understands gold prices, and I don’t pretend to understand them either” (ninguém realmente entende o preço do ouro, e eu não finjo que entendo também).

Em artigo divulgado na última quarta-feira (05/08/2020) intitulado “Gold, the Golden Constant, COVID-19, “Massive Passives” and Déjà Vu” três pesquisadores tentam realizar esta difícil tarefa e alertam sobre o patamar atual.

O gráfico abaixo mostra a evolução do preço do ouro corrigido a valores de hoje. Perceba que o preço atual se encontra muito próximo das altas históricas ocorridas em 1980 e 2011.

Após atingir os dois picos anteriores, os preços caíram entre 30% e 60%. O alerta veio de Claude Erb, Campbell R. Harvey e Tadas Viskanta no referido artigo. Eles recordam que os dois picos anteriores foram precedidos de uma expectativa de elevação de inflação. No pico de 2011, por exemplo, similar ao momento atual, esperava-se que os estímulos monetários, implementados para superar a crise financeira de 2008, pudessem gerar uma escalada da inflação. Fato que não se verificou.

Se atualizarmos o preço máximo atingido em 1980 e o preço mínimo de 1970, podemos ver os limites inferior e superior para os preços do metal precioso nas linhas tracejadas do gráfico abaixo.

Mas por que comprar ouro quando se espera inflação?

A relação do ouro com a inflação ganhou destaque com o livro publicado em 1977, “The Golden Constant”, do professor da Universidade da Califórnia, Roy Jastram.

O gestor de commodities da Pimco, Nicholas Johnson, explica em artigo publicado em 2014, com título “Demystifying Gold Prices” que o preço do ouro tem forte relação com a taxa real de juros de 27 anos.

Esta relação se intensificou com o desenvolvimento da indústria dos ETFs (sigla para fundos negociados em bolsa, em inglês).

Com a forte captação dos ETFs de ouro desde 2004, cresceu sua utilização como ativo financeiro. De fato, a utilização para joias, equipamentos eletrônicos e médicos é apenas uma fração da demanda.

O valor total de ouro existente no mundo é pequeno. Ele representa apenas 10% do valor total do mercado de títulos de renda fixa e ações. Este fato, intensifica o reflexo no preço da demanda atual dos ETFs, mas também traz um risco adicional.

Os pesquisadores Erb, Harvey e Viskanta explicam que se você considera que o preço do ouro segue as taxas reais de juros, como afirma Johnson, ele pode cair com a elevação das taxas para controle da inflação.

E se você acredita que os preços sobem, apenas como reflexo da demanda dos ETFs, então qualquer queda de preços pode ser alavancada com fortes resgates destes fundos.

Para um ativo em que presidentes do FED afirmam que ninguém tem capacidade de previsão e cujo preço se encontra próximo dos máximos históricos, já atualizados pela forma comumente aceita, a única afirmação que se pode fazer é que, neste momento, não parece ser seguro o investimento em ouro.

Michael Viriato é professor de finanças do Insper e sócio fundador da Casa do Investidor. (Folha de S.Paulo)

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