Os seis dias de Cuca no comando do Corinthians, encerrados na madrugada de quinta-feira, são sintomáticos de uma nova perspectiva que vive o futebol brasileiro em relação ao comportamento de seus atores fora dos gramados. No espaço de cerca de um ano e meio em que torcedores viram o atacante Robinho ser condenado em última instância por violência sexual em grupo na Itália e o lateral-direito Daniel Alves, preso, responder acusação de estupro na Espanha, o técnico de 59 anos não resistiu a uma pressão interna e externa que o obrigou, como ele mesmo afirmou no discurso de despedida, a rever, ao menos judicialmente (com a contratação de advogados), o “caso Berna”.
“Por que só agora?”, questionam torcedores contrários à saída do treinador em redes sociais. “São coisas já passadas há muito tempo, ressurgidas como se tivessem acontecido hoje”, lamentou Cuca em sua despedida. Embora o ocorrido tenha sido em 1987, foi só em março de 2021, 34 anos depois, que o caso voltou à tona. Primeiro nas redes, com campanha de torcedores do Atlético-MG contra seu retorno ao clube. Depois, no noticiário: em entrevista à jornalista Marília Ruiz, ele falou pela primeira vez sobre o caso. Começava ali um retrabalho jornalístico, após décadas em que o caso ficou adormecido e registrado conforme o cenário social e do noticiário esportivo do fim dos anos 1980. A informação seguiria a carreira do treinador de perto a partir dali, tudo em meio a uma sociedade profundamente transformada e midiatizada pela velocidade das redes.
— A internet e as redes sociais facilitam a organização das insatisfações e das pressões, para o bem e para o mal. Neste caso, ajudam a fomentar uma discussão necessária e importante sobre questões como a violência sexual contra crianças e adolescentes, a qualidade da cobertura jornalística, as mudanças sociais ocorridas nas últimas décadas e como o futebol reproduz comportamentos e práticas violentas e misóginas — explica Karla Gobo, professora de Jornalismo da ESPM e doutora e Sociologia pela Unicamp.
Se em 2021 o protesto contra a contratação de Cuca não teve tanta visibilidade, agora a torcida do Corinthians abraçou com mais força a causa. O anúncio nas redes sociais recebeu milhares de respostas de torcedores insatisfeitos com a notícia, principalmente porque uma das bandeiras do clube nos últimos anos foi a campanha “Respeita as Minas”. Com a incoerência entre o discurso e a contratação, movimentos feministas de torcedoras protestaram no CT no dia da apresentação. Faixas como “Time do povo?” e “Fora Cuca” foram estendidas na entrada, e na coletiva, Cuca foi perguntado se as manifestações atrapalhariam seu trabalho.
Com informações de: O Globo