Por Kátia Brasil -Amazônia Real – Em vídeo gravado com exclusividade pela agência Amazônia Real, testemunhas do homicídio de Anderson Rodrigues de Souza, incluindo a esposa dele, Digliane Almeida Gomes, acusam um policial civil do Amazonas, identificado como “Paulo”, como o suposto autor do tiro no olho (e não na cabeça com a polícia informou) que matou o indígena da etnia Mura no último dia 7 de outubro, durante a Operação “Blackout” da Polícia Civil do Amazonas.

O crime aconteceu dentro da ocupação Reserva Indígena Paxiubau, no bairro Santa Etelvina, na zona norte de Manaus, na presença de crianças, mulheres grávidas e idosos. Segundo a Polícia Civil, o caso está sendo investigado pela Unidade de Apuração de Ilícitos Penais (Uaip), que apura crimes envolvendo policiais.

Na versão da Secretaria de Segurança Pública do Amazonas (SSP), Anderson Rodrigues de Souza, conhecido como Anderson Mura, reagiu contra cerca de 20 policiais da Operação “Blackout” com pedras e flechas para proteger “como um capanga” o cacique Sebastião Castilho Gomes, o Sabá Cocama, que deveria ter sido preso pelos policiais na operação, mas fugiu.

No primeiro momento, a SSP disse que não sabia de onde partiu o tiro que matou o indígena Anderson Mura. Ao ser questionada pela reportagem no dia 13 de outubro, o secretário-executivo do Gabinete de Gestão Integrada, delegado Frederico Mendes afirmou que os policiais “agiram em legítima defesa”, indicando que o tiro partiu dos policiais.

A Polícia Civil se nega a informar o nome do policial suspeito ou policiais investigados, mas garante que apreendeu as armas deles para realização de perícia técnica.

As testemunhas entrevistadas pela Amazônia Real suspeitam que a morte de Anderson Mura, 30 anos, esteja relacionada com a disputa de terra com pessoas que se dizem donas do terreno onde está a ocupação.

Segundo Digliane Almeida Gomes, 22 anos, que pertence a etnia Sateré-Mawé, uma semana antes de sua morte, Anderson Mura se desentendeu com o dono do terreno vizinho da ocupação. O homem, que não teve o nome identificado, queria passar um trator dentro nas terras da ocupação, mas foi impedido pelo indígena.

Anderson Mura trabalhava como garçom no restaurante La Parilla, em Manaus, e ganhava R$250 por fim de semana.

“Na opinião de todo mundo aqui, quem mandou matar ele foi o dono do terreno do lado. Ele deu dinheiro para o policial vir matar o meu marido. Não sei o nome dele, mas foi ele. E quero justiça, não quero que fique assim não (na impunidade) ”, afirmou Digliane Almeida Gomes, que tem um filho de três anos (de um outro relacionamento) e está grávida de Anderson.

Digliane Gomes denuncia que o policial suspeito de atirar contra Anderson não teve a arma aprendida, como disse à reportagem a Polícia Civil no dia 16 de outubro. “O policial foi filmado com a arma em punho atirando contra homens e mulheres na área de ocupação (Bom Pastor, na zona oeste). O policial é barbudo”, disse a viúva de Anderson Mura, que vai entregar o vídeo ao Ministério Público Federal.

Na última terça-feira (21), Digliane Almeida Gomes compareceu à sede da Delegacia Geral da Polícia Civil. Ela foi desacompanhada de advogado. “Eles me chamaram muito rápido, fui sozinha. Prestei um depoimento e contei tudo que presenciei. Falei que o policial era o Paulo e contei sobre o vídeo”, afirmou.

A Delegacia Especializada em Capturas e Polinter da Polícia Civil confirmou que Digliane Almeida Gomes prestou o depoimento ao delegado Antônio Rondon Junior, mas disse que a investigação tramita em segredo de Justiça, portanto, não informou o teor das declarações da viúva.

“Eles atiraram para matar. O tiro foi no olho”

O objetivo da operação “Blackout” na ocupação Paxiubau era prender o cacique Sebastião Castilho Gomes, o Sabá Cocama, mas como não prenderam, segundo as testemunhas, iniciou um conflito após a morte de Anderson Mura. Os policiais civis prenderam a mulher do cacique por acusação de invasão de terra e crime ambiental. Os guerreiros Thaís Cocama e Aldenir Cocama foram detidos por desacato e tiveram os celulares apreendidos pela polícia.

Thaís Mura disse à Amazônia Real que os indígenas não tiveram tempo de reagir contra os policiais, pois eles invadiram a ocupação por volta das 6 horas da manhã, pulando o muro e atirando contra todos.

“Vi os policiais cercando o Mura, que é o Anderson. A dona Macuxi (outra indígena) gritou: mataram o Mura! Eles não estavam atirando para cima. Era reto. Eles estavam atirando para matar. Cheguei perto do Mura. Vi a situação dele (caído). O tiro foi no olho, foi para matar. Vendo aquela situação, os policiais não paravam de atirar, foi na hora que houve o desacato. Parti para cima deles (policiais). Eles me bateram, me agrediram mesmo. E o próprio Paulo (o policial suspeito de atirar contra Anderson) apontava a arma na minha cabeça e dizia que ia me matar. Me renderam e me levaram algemada”, afirmou Thaís Cocama, de 22 anos.

A reportagem da Amazônia Real esteve na ocupação Reserva Indígena Paxiubau no dia 11 de outubro, quatro dias após a morte de Anderson Mura. O terreno da ocupação é cercado por árvores e tem um igarapé (curso de rio). Vivem em malocas feitas de restos de madeira, palha e lona, 36 famílias das etnias Mura, Sateré-Mawé, Cocama e Macuxi.

O imóvel está situado numa área de expansão imobiliária da zona norte da capital amazonense, onde no lugar de floresta estão sendo construídos condomínio populares e shoppings.

Crime ainda sem solução

Vinte e um dia após a morte de Anderson Mura, a Secretaria de Segurança Pública do Amazonas não tem uma conclusão sobre a morte do indígena.

No dia 9 de outubro, dois dias depois da morte do indígena, o jornal Diário do Amazonas publicou uma entrevista com o corregedor-adjunto da SSP, Júlio César Pereira Queiroz, na qual ele diz que “informações preliminares indicam a participação de policiais civis na morte de Anderson”.

“Após essa etapa, constatada a participação no crime, o policial sofrerá um Processo Administrativo Disciplinar (PAD). Mas ele (acusado) pode alegar legítima defesa, entre outras justificativas, só então é que o PAD vai dizer se houve ou não excesso na atuação policial”, afirmou o corregedor, dizendo que o prazo da investigação era de 15 dias, o que terminaria nesta quinta-feira (22).

À reportagem da Amazônia Real procurou o secretário-executivo do Gabinete de Gestão Integrada da SSP, delegado Frederico Mendes, que acompanha conflitos de terra envolvendo indígenas em Manaus. Ele disse que a investigação sobre a morte de Anderson Mura seria conduzida pela Delegacia de Homicídios.

“Como se tratou de um homicídio de legítima defesa, então vai ser instaurado um procedimento na Homicídio”, disse Mendes.

O delegado Ivo Martins, titular da Homicídios, negou. Mandou a reportagem procurar a Unidade de Apuração de Ilícitos Penais (Uaip), que apura crimes envolvendo policiais civis.

Depois de muita insistência e negativas das informações sobre a condução da investigação pela SSP, a assessoria de imprensa da Polícia Civil do Amazonas enviou resposta no dia 16 de outubro dizendo que a morte do indígena Anderson Rodrigues de Souza era investigada pelo delegado Antônio Rondon Júnior, responsável pelo inquérito policial do caso, e titular da Delegacia Especializada em Capturas e Polinter.

O delegado Rondon Junior respondeu perguntas enviadas por e-mail pela reportagem. Segundo sua nota, a investigação estava sendo conduzida pela Unidade de Apuração de Ilícitos Penais (Uaip), mas era sigilosa. “Podemos antecipar que todas as diligências necessárias para a perfeita elucidação do fato estão sendo tomadas, desde a apreensão do armamento utilizado pelos policiais que estavam presentes na ação, as oitivas de todos que participaram da operação (policiais e não policiais) ”, disse o delegado.

A Amazônia Real perguntou se a Uaip identificou o policial supostamente responsável pelo crime, como dizem as testemunhas indígenas. “Somente com a conclusão do Inquérito Policial, ou seja, após a realização das oitivas de todos os envolvidos e com o resultado das perícias técnicas requisitadas poderemos descrever a perfeita dinâmica do caso”, disse a nota do delegado Rondon Junior.

A reportagem perguntou também ao delegado Antônio Rondon Junior sobre a acusação da família de Anderson Mura e de testemunhas contra um acusaram um policial civil. “Em relação à Polícia Civil, podemos antecipar que todas as diligências necessárias para a perfeita elucidação do fato estão sendo tomadas, desde a apreensão do armamento utilizado pelos policiais que estavam presentes na ação, as oitivas de todos que participaram da operação (policiais e não policiais) ”, disse a nota.

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