Desde quando passaram a morar juntos o marido era sempre o primeiro a acordar. Ele fazia o café, ia à padaria comprar o pão quentinho, pegava o jornal na garagem da casa, que o entregador jogava de qualquer jeito, na presa para chegar à próxima entrega, prendia os cachorros, lavava o quintal, aguava as plantas…, estas eram as suas primeiras atividades matinais.

Porém, naquela manhã, o sol ainda estava nascendo quando um sopro de ar fresco encheu o quarto do casal. O marido despertou sobressaltado e ficou ainda mais estarrecido quando deu de cara com um bilhete escrito à mão — numa letra linda, toda redondinha — que estava encima da cama e dizia: “Amor, você sabe que dia é hoje”?

O marido não fazia a menor ideia de que dia era aquele — mas ele conhecia aquela letra — e mesmo assim ficou puxando pela memoria: “Será o dia do nosso primeiro encontro? Do nosso primeiro beijo? Do nosso casamento?”.

Sentindo o cheirinho bom de café que vinha da cozinha, o marido saltou da cama e correu escada abaixo. Num afetuoso abraço, foi recebido pela sua bela e amada esposa: — Bom dia meu amor, você dormiu bem? — Sim, muito bem! — respondeu o esposo, retribuindo todo aquele carinho com um selinho.

“O que está acontecendo aqui?”, o marido teve vontade de perguntar, mas disse apenas: — Muito obrigando meu amor, mas eu não mereço todo esse carinho. — Claro que merece — respondeu a esposa devolvendo-lhe o selinho. — Confesso que fiquei preocupado quando…

O esposo nem chegou a completar o raciocínio quando a sua esposa o interrompeu: — Você leu o bilhete? — Li, mas não sei que dia é hoje! — Como as coisas mudam depressa — murmurou a esposa. — Dá para você ser mais explicita? — insistiu o esposo. — Coisas extraordinárias estão acontecendo aqui — disse a esposa acariciando a barriga.

Foi aí que o esposo se lembrou dos queixumes da esposa; como ela andava enjoada, fazendo coisas que não costumava fazer antes, como, por exemplo, acordar cedo. Enfim, a ficha caiu e o esposo ficou em êxtase. Era exatamente aquilo que eles queriam. Juntos haviam planejados ter três filhos, dois meninos e uma menina. E agora o sonho estava se tornando realidade.

— Amor, se for uma menina podemos chamá-la de Fernanda em homenagem a minha mãe? — indagou o esposo todo carinhoso e com lágrimas nos olhos. — Claro amor! — respondeu a esposa. E continuou: — Mas se for um menino ele se chamará Emanuel em homenagem ao aniversariante do dia. — Ah, agora entendi. Quer dizer que hoje é Natal. E eu aqui pensando…

— Como você é convencido — interrompeu a esposa com um sorriso angelical no rosto. — Continue — disse ele. — Que dádiva ficar sabendo que serei mãe no dia de Natal. — Verdade amor. Uma benção muito grande para as nossas vidas. — Certamente Deus está a nos abençoar. — Isso mesmo! Mas amor — continuou o esposo todo apaixonado. — Você não pode ficar acordando cedo para fazer as coisas. Isso sou eu que faço. Você tem que descansar. — Eu estou grávida e não doente amor! — respondeu a esposa.

Dez minutos depois, olhando para o relógio da cozinha, a esposa exclamou: — Meu deus do céu! Como os nossos pais estão atrasados. Em seguida, chegaram os convidados. A casa do casal, cheia dos parentes, era uma alegria só: — Feliz Natal, filho! — Feliz Natal, filha! — Parabéns, filha! Parabéns, filho! — Que esta criança venha ao mundo com saúde — disse o avô materno. — E que ele seja torcedor do Botafogo — completou o avô paterno. — Não. Que ele seja flamenguista — protestou a avó materna.

Uma pequena confusão futebolística ia começando, quando a anfitriã convidou a todos a se sentarem à mesa e tomarem aquele belo café da manhã. — Hoje é Natal, uma data especial. Dia de reunir a família, celebrar a vida e comemorar o nascimento do Menino Jesus. Não é dia de discussão, muito menos sobre futebol. Em seguida, ela abriu a Bíblia em Mateus (6:9-13) e pediu a todos que orassem o Pai Nosso:

“Pai Nosso que estais nos Céus, santificado seja o vosso Nome, venha a nós o vosso Reino, seja feita a vossa vontade assim na terra como no Céu. O pão nosso de cada dia nos dai hoje, perdoai-nos as nossas ofensas assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido, e não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do Mal, amém!”. — Amém? E todos responderam bem forte e alto: “amém”!

Luís Lemos é professor, filósofo e escritor, autor, entre outras obras, de Filhos da Quarentena: A esperança de viver novamente, Editora Viseu, 2021. https://www.editoraviseu.com.br/filhos-da-quarentena-prod.html?___SID=U
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