Não tive tempo de escrever esta semana. O texto a seguir foi publicado originalmente em 2016.

O grande escritor e filósofo italiano Umberto Eco comprou uma briga em sua terra natal quando disse que “a internet conseguiu o fenômeno de dar voz a todos os imbecis do mundo”. Compreendo perfeitamente o desabafo daquele que foi um dos homens mais eruditos de seu tempo. A rede mundial de computadores, indispensável hoje em todos os ramos do conhecimento, facilita, no outro lado do tema, manifestações que vão do ridículo ao grosseiro, principalmente levando em conta essa febre chamada de “redes sociais”, entre as quais se sobressai o que o humorista amazonense chamou de “zapzap”.

Ponderar-me-á o meu raríssimo leitor: “ninguém é obrigado a usar a internet nem os aplicativos que nela se encontram”. E eu teria que parabenizá-lo pela perspicácia, fazendo apenas a modesta observação de que, se tem alguma procedência a segunda parte da assertiva, quanto à primeira cuido faltar-lhe um pouco de razão. E assim não procederia por mero amor ao debate ou à controvérsia. Nada disso. Trata-se de simples constatação da realidade. É que não me acode à lembrança algum tipo de atividade ou serviço em que o usuário possa prescindir da rede. Ela é onipresente e inevitável, imiscuindo-se nos mais recônditos cantões do universo. Basta ver, à guisa de vulgar exemplo, que mesmo as “operárias do amor”, como carinhosamente as chamava o grande Marx, dela fazem uso quando recebem a paga por seus gentis serviços por via dos cartões de crédito. Coisas do mercado, dirá o economista liberal.

Em assim sendo, e devidamente ponderado o assunto, tenho como certo que às vezes, por força da internet, é impossível ficar a salvo da incidência de algumas imbecilidades primorosas. Nessa categoria, sempre coloquei aquelas em que o sujeito, depois de ler sobre algo de ruim que tenha acontecido em nosso país, dá à luz uma pérola do tipo “isso é Brasil”. Ora, convenhamos! Será que o estafermo imagina que só aqui ocorrem escândalos políticos e financeiros? Não duvido, porque quem revela tão pouco respeito (já não digo amor) por sua Pátria há de ter um cérebro incapaz de conceber o universo como um todo. Se é que de cérebro se pode falar quanto ao organismo de semelhante criatura.

Em contraponto, parece supérfluo falar sobre as facilidades que a rede proporciona. São tantas e tamanhas! Como pagar, por exemplo, a satisfação de conversar à distância com meus netos, vendo-lhes a imagem ao vivo? Não tem preço. E para um velho como eu, quando isso acontece, forçoso é um retorno à infância, época em que tal situação era pura ficção científica, retratada apenas nos gibis, com heróis do padrão de Capitão Marvel ou Homem Foguete. E a visita a um museu como o Louvre ou ao castelo de Alhambra? São deslumbramentos com que a rede busca uma compensação para os que, vivendo do trabalho honesto, não se podem dar ao luxo de constantes viagens intercontinentais. Tal privilégio há de ficar por conta da Petrobrás.

Diz-se, desde a mais remota antiguidade, que “a virtude está no meio”. Não me parece que essa seja uma verdade absoluta, mas acolho-a, no contexto, para ponderar que, sem tirar a razão de Umberto Eco (longe disso), é possível conviver com a rede, driblando maiores dissabores. Basta, penso, não ser um “internetaholic”, desses que não conseguem largar os celulares nem quando estão ao volante, ou daqueloutros que se dão à pachorra de caçar “pokemons”, erigindo essa nobre atividade à categoria de indispensável para o desfrute do verdadeiro lazer.

O certo é que, se não fosse a internet, eu não teria recebido uma deliciosa crônica de Mário de Andrade, intitulada “O valioso tempo dos maduros” e enviada por meu amigo Petrônio Carvalho. Lê-la foi um refrigério e me sinto no dever de fechar estas mal traçadas, transcrevendo-lhe alguns trechos, até em homenagem a todos os que, como eu, já estão do outro lado da montanha. Ei-los: “Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para frente do que já vivi até agora. Tenho muito mais passado do que futuro… Já não tenho tempo para lidar com mediocridades. Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflamados. Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talento e sorte… Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas que, apesar da idade cronológica, são imaturas…Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos. Quero a essência, minha alma tem pressa”. Que beleza!

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