No mundo particular do relacionamento conjugal, as alternâncias climáticas são mais frequentes do que pode imaginar nossa vã filosofia. Se “em manso lago azul” segue a nau, seus ocupantes podem se ver envolvidos em pavorosa borrasca que, sem prévio aviso ou mesmo detecção por instrumentos de controle, de repente tolda o horizonte, agita as águas antes tranquilas, enquanto a ventania, substituindo a leve brisa anterior, ameaça pôr a pique a embarcação.

Foi o que aconteceu com estimada senhora que, na semana do carnaval, segundo relatava a um grupo de amigos, se viu de repente à deriva, desfeita que fora da parceria há algum tempo encetada, estando simplesmente a boiar solitária com a ajuda de precário salva-vidas. O uísque em que buscava apoio não a impedia de manter bem claro o raciocínio sobre as causas e motivos de seu infortúnio. Assim é que, sem qualquer titubeio, a gentil dama apontava, em apertada e elogiável síntese: “Foram as raparigas”.

Não digo que o espanto tenha sido geral. Mesmo com as dificuldades semânticas que o vocábulo pode suscitar, deu para compreender que o varão se havia deixado enredar em algum rabo de saia, desses que andam por aí aos montes, traduzindo a apreensão de quantas se mostram ciosas da necessidade de preservar sua cara-metade. Seria indelicado pedir detalhes. Afinal de contas, era visível o sofrimento estampado no rosto, a se revelar, inclusive, por uma que outra lágrima, a insistir em rolar furtiva. Mas não foi necessário. Nossa heroína, ferida no âmago do amor-próprio, deu, ela própria algumas explicações complementares.

Primeiro, disse, eram as mensagens pelo “zap-zap”. O telefone do Don Juan não parava de emitir aquele sinal irritante que indica a chegada de uma comunicação pelo aplicativo. Mesmo tarde da noite (talvez principalmente por ser tarde da noite), era um tilintar intermitente, capaz de prejudicar qualquer sono. “Por que não atendes logo?”, foi a natural indagação. E a resposta, esfarrapada como sói acontecer com quem tem culpa no cartório, era a de que “devia ser obra de algum chato lá do serviço, doido para mostrar trabalho”.

Colocada a pulga atrás da orelha, é impossível deixar de coçar. Em rápida e clandestina inspeção no telefone celular do bem amado, verificou amargurada que o “chato do serviço” tinha nomes variadíssimos, todos eles, por estranha coincidência, integrantes da onomástica feminina. Foi o começo da mudança de tempo. O sol já não brilhava tão fulgurante e ardente, encoberto que fora pela macabra nuvem da desconfiança. “Ainda desconfiança?”, indagou um gaiato. “Sim”, respondeu ela, cheia de dignidade, para acrescentar, com ingenuidade tocante, o lugar-comum: “A esperança é a última que morre”.

Depois, foi avassaladora a mudança climática. As mensagens se transmudaram em ligações com vídeo e todos os demais requintes da moderna tecnologia. E, o que é pior e mais grave, já não se limitavam ao celular do marido, por isso que (“suprema ousadia”, bradava ela) eram dirigidas ao celular da própria ofendida, confessando abertamente “o caso” e exigindo o abandono do campo de batalha, com total e incondicional rendição.

Assim se deu. “Já não era possível lutar. As armas da facção inimiga, além de superiores em número, eram de gritante deslealdade”, ponderava a meiga senhora, que, em meio a tão dilacerante crise, ainda encontrou forças para propor o estabelecimento de inusitada Cruzada. “Perdi, mas isso não me impede de ver que é possível prevenir para salvar muitas outras”. “Vamos combater as raparigas, numa guerra sem trégua, de forma que nenhuma mulher tenha mais que suportar as dores que hoje me aniquilam”, foi a solene proclamação, feita ao som de um clarim que, ao longe, anunciava o início da festa.

O único que me restava era manifestar minha solidariedade. Assim o fiz, assegurando-lhe que jamais aprovei tais relaxações, de sorte que ela podia contar comigo como seu mais humilde colaborador. Mas não pude deixar de lembrar o samba imortalizado na voz de Carmem Costa: “Ele é casado e eu sou a outra na vida dele/Que vive qual uma brasa por lhe faltar tudo em casa”. Que coisa!

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