No mês em que se comemoram o aniversário da cidade e o Dia do Professor, deliberei transcrever texto publicado em 2014. Eis aí:
Manaus está aniversariando. Como o mais entusiasta de seus adoradores, deveria eu mandar-lhe flores, que é o procedimento cavalheiresco. Seria pouco e nem sei se ela, nascida no meio de exuberante floresta, teria o mimo na devida conta das intenções do ofertante. Dizer-lhe que a amo é recidiva e, também aqui, seria apenas mais uma voz que se integraria ao coro dos muitos a proferirem a mesma declaração, justa e merecida porque Manaus encanta e cativa, envolvendo-nos com a linda imponência do Rio Negro e queimando-nos a tez com o seu “sol moreno”, na imagem do poeta Chico da Silva.
Digo-lhe, então e apenas, da minha infância e da minha juventude, nas suas ruas e igarapés, e das mulheres e homens que, como professores, influenciaram decisivamente minha formação. Eram tempos mais calmos e a cidade ainda não se havia transformado na metrópole de hoje. Sem saudosismo, eram também tempos melhores. Ir à aula no Grupo Escolar Princesa Isabel já era passeio mais que agradável, só por atravessar a Praça da Saudade, com seus caramanchões e buganvílias. Na escola, a presença maternal de dona Olga Rocha. Voz roufenha, era rigorosa na disciplina e não tergiversava na cobrança do aprendizado, uma vez que o Ministério da Educação ainda não tinha manifestado a genialidade de proibir as reprovações. Sua régua não tinha objetivo apenas de medições, por isso que encontrava aplicação bem mais prática quando das sabatinas semanais. Ela e dona Neuza Lemos foram as presenças que povoaram minha passagem pelo curso primário que hoje, salvo engano, atende pelo apelido de ensino fundamental.
Aos onze anos subi as escadas para frequentar o curso ginasial no Instituto de Educação do Amazonas. A diretora era ninguém menos que a professora Eunice Serrano Telles de Souza, figura emblemática do ensino e da educação nestas paragens. Dali as lembranças se multiplicam. Muito orgulhoso daquela espécie de “up grade”, ia eu todo serelepe para os tempos de aula diferenciados por disciplina, certo de que (vejam só) já era gente. E assim foi que em matemática, a professora Iza Brito me tascou um sonoro três, logo na primeira prova, o que fez acender a luzinha de alerta para a minha completa ignorância.
Estudávamos latim, por incrível que pareça, e os professores Miguel Duarte e Agenor Ferreira Lima não refrescavam na cobrança de declinações e desinências, forçando-nos a algo hoje tão fora de moda que é a convivência com a origem mesma da língua-mãe, sem a qual é impossível expressar-se em português com o mínimo de decência e fluidez. E, paralelamente, o professor João Chrisóstomo de Oliveira nos fazia imergir nos mistérios do idioma pátrio. Quantas horas, à luz de vela, passei elaborando, em cartolina branca e com tinta nanquim, mapas de radicais gregos e latinos! Saudosíssimo professor João Chrisóstomo. É eterna minha dívida de gratidão.
O professor Armando Menezes sempre foi a própria simpatia e com ele íamos desvendando os fatos da história de nossa pátria, enquanto a professora Neuza Ferreira se encarregava da História Geral. Inglês, com a professora Garcineia do Lago e Silva, francês, com o professor Miguel Duarte, e, acreditem, até canto orfeônico, onde a professora Lila Borges de Sá tentou, com dedicação e competência, mas inutilmente, tirar-me das trevas em que até hoje vivo em matéria de teoria musical.
Já no Colégio Estadual do Amazonas, para o curso clássico, impossível não lembrar do poeta Farias de Carvalho. Se suas aulas de literatura brasileira não primavam pela didática, não havia como deixar de lado a emoção quando ele, voz poderosa, declamava: “Hoje eu queria escrever um poema diferente, sem o chiquê das formas elegantes, nem a rotina das velhas tradições”. Era o “Meu Canto Novo” que meu irmão interpreta de forma impecável. No velho Ginásio, a História Geral estava a cargo do professor Manoel Otávio Rodrigues de Souza. Elegante, culto e eloquente, sempre foi referência para qualquer aluno que tenha frequentado aqueles bancos escolares. Otávio Mourão, Vilar Câmara e Afonso Celso Maranhão Nina pontificavam nas ciências exatas.
Também estudei na escola Sólon de Lucena. O professor Antônio Gonçalves da Encarnação Filho, com seu charuto e seu sotaque lusitano, era intransigente na cobrança do correto falar e escrever. Ao seu lado, um com cuja citação encerro esta crônica despretensiosa. Não era ele nem melhor nem mais sábio que seus pares. Com eles ombreava em competência, mas tem lugar privilegiado no meu afeto. Falo do professor Felix Valois Coelho, meu pai. Cinquenta e oito anos passados não diminuíram um milímetro a saudade de sua presença amiga e afável.
Com todos eles, e também em homenagem a eles, celebro o aniversário de Manaus, desta Manaus onde ensinaram, despertando para o mundo gerações seguidas de cidadãos brasileiros. Que seus ensinamentos nos guiem os passos no próximo domingo.