Yasú tinha um sonho: ser mãe. Mas ela não tinha namorado e seus pais eram tradicionais, ou seja, eles nunca aceitariam que ela tivesse um filho sem se casar. Quando Yasú manifestou o desejo de ser mãe solo, o seu pai quase morre do coração, ficando internado quase quinze dias no hospital da cidade. “Eu não criei você para ser quenga”, disse assim que saiu do hospital. “Calma marido, também não é assim!”. “Você não tá vendo que ela quer me matar de vez”. “A nossa filha tem juízo”. “Hum, sei”, resmungou. “Então diga-me uma coisa: como ela vai formar família se todos os namorados que ela nos apresenta você coloca para correr?”.

Obstinada em realizar o seu sonho, um dia Yasú teve uma ideia. Disse para os seus pais que iria sair de casa. “Como assim, filha?”, perguntou sua mãe preocupada. “Você quer me matar do coração de vez, é minha filha?”, indagou o seu pai furioso. “Você vai para onde, filha?”. “Vou morar na capital, mamãe”. “Vai morar na casa de quem, filha?”, insistiu sua mãe. “Eu quero saber é com quem ela vai morar”, disse o seu pai. “Deixa de bestagem marido!”. “Eu vou morar sozinha”. “É mesmo é?”, indagou o seu pai ironicamente. “Sim, já disse!”. “Como você vai se sustentar na cidade, mana?”, perguntou o seu irmão mais novo. “Vocês vão me ajudar, não vão?”. “Vamos sim, filha!”, disse a sua mãe. “Somente até você arranjar um emprego”, respondeu o seu pai de forma rude. “Obrigado pelo apoio, família”, disse Yasú. E virando-se para o seu pai, ela completou: “Eu sei que o senhor é um homem bom, só está preocupado com o bem-estar da sua filha, o que vai acontecer com ela, eu sei disso!”. E com lágrimas nos olhos, Yasú completou: “Vamos, me deem um abraço!”. “Se é esse o teu sonho, então vá minha filha, vá ser feliz!”. “Obrigado mamãe! Eu sabia que poderia contar com a senhora!”. “Foca nos estudos que você vai conseguir tudo o que você quiser”, disse sua mãe. “Eu vou lhe dar um último conselho, se me permite. Você não vai ficar grávida do primeiro homem que aparecer. Os homens da cidade não são como os daqui, eles não respeitam moça de família”, disse seu pai. “É exatamente isso que eu quero”, pensou Yasú, mas ela não verbalizou o que havia pensado e apenas acrescentou: “Pode deixar papai, eu sei disso! E além do mais, eu já sou bem grandinha. O senhor se esqueceu de que semana passada eu completei 18 anos?”. “Não liga não filha, você sabe como é o seu pai”. “Sim, eu sei. Para ele e para a maioria dos pais os filhos nunca crescem, são eternas crianças”.

No primeiro ano da faculdade, Yasú conheceu o jovem Caraíba. Ela fazia Pedagogia e ele Educação Física. Encontraram-se por acaso no RU, Restaurante Universitário. Foi amor à primeira vista. Depois de um cumprimento discreto, trocaram telefones. No dia seguinte, engataram namoro. Ele a levava para passear no shopping, no bosque, na praça… Estavam sempre juntos, andavam de mãos dadas, formavam um lindo casal.

Um dia, o jovem Caraíba perguntou para a jovem Yasú: “Quando eu irei conhecer os seus pais?”. Como Yasú amava-o profundamente, ela abriu o seu coração, contou tudo de sua vida, falou de sua família que morava no interior e contou-lhe do sonho de ser mãe. “Então vamos nos casar e ter um montão de filhos”, respondeu Caraíba. No dia 20 de junho de 2004, às 11h da manhã, na Igreja de São Sebastião, em Manaus, Yasú casou-se com Caraíba. Cinco meses depois da lua de mel Yasú descobriu que seria mãe de gêmeos.

A vida de casal não estava nada fácil. Não passeavam mais. Não iam mais ao cinema. As dívidas só aumentando. E eles não andavam mais de mãos dadas. Caraíba deu para chegar tarde. As desculpas eram sempre as mesmas: “Estudo e trabalho”, “trabalho e estudo”, dizia. Caraíba passava a maior parte do tempo fora de casa. Então ela decidiu ter as crianças na casa dos seus pais e voltou para o interior. Quando as crianças nasceram, ela descobriu que seria mãe de trigêmeos. Foi aquela felicidade. Os avós eram as pessoas mais felizes do mundo!

Um dia, enquanto olhava os filhos pequenos brincado em contato com a natureza, Yasú pensou em Caraíba e disse: “Por que o amor acaba?”. Um dos filhos se aproximou dela e perguntou: “Você está chorando, mamãe?”. “Não filho, foi só um cisco que caiu no meu olho”, respondeu. “A senhora vai ficar boa logo mamãe”, disse a criança. “Obrigado filho, mas volte a brincar com os seus irmãos. Eles estão lhe esperando, vá”.

Naquela mesma hora, em Manaus, Caraíba pensava em Yasú, o grande amor da sua vida. E abrindo um livro de William Shakespeare, ele começou a ler: “Amor quando é amor não definha. E até o final das eras há de aumentar. Mas se o que eu digo for erro. E o meu engano for provado. Então eu nunca terei escrito. Ou nunca ninguém terá amado”.

Luís Lemos é professor, filósofo, escritor, autor, entre outras obras de, O primeiro olhar A filosofia em contos amazônicos (2011), O homem religioso A jornada do ser humano em busca de Deus (2016), Jesus e Ajuricaba na terra das amazonas Histórias do universo amazônico (2019), Filhos da quarentena A esperança de viver novamente (2021)

Instagram: @luislemosescritor

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