As falas duras e o discurso inflamado do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, não impediram que seu partido sofresse duas derrotas consecutivas na noite desta quarta-feira (19).

No primeiro round, o esforço dos democratas para tentar tornar mais robusta a proteção do direito ao voto foi superado pelos republicanos pela quinta vez em menos de um ano.

Para isso, os congressistas do partido do ex-presidente Donald Trump recorreram ao “filibuster”, procedimento que permite travar a tramitação de medidas. Por esse dispositivo, quem for minoria na Casa pode pedir um debate no plenário de determinado projeto em análise, adiando indefinidamente a votação, já que a discussão só pode ser encerrada com apoio de 60 dos 100 senadores.

Hoje, os democratas ficam reféns da medida, pois têm 50 legisladores. A frágil maioria só é garantida pelo voto de desempate da vice-presidente Kamala Harris —e apenas se os 50 democratas votarem em consenso, o que não foi o caso nesta quarta.

Depois de sofrer a primeira derrota da sessão legislativa, o líder dos democratas no Senado, Chuck Schumer, propôs uma votação para reduzir de 60 para 50 o número de votos exigidos para a aprovação de projetos. Seria uma forma de driblar o “filibuster” que, na prática, tornaria mais viável a tramitação de medidas importantes da atual gestão.

Mas faltou combinar com os próprios democratas. Dois deles, Joe Manchin e Kyrsten Sinema, votaram junto com os 50 republicanos, somando 52 votos contrários à medida. Todos os outros 48 democratas se manifestaram a favor da mudança na regra de obstrução.

Além de colocarem o último prego no caixão da esperança de mudar o “filibuster”, Manchin e Sinema já tinham sido um dos principais obstáculos para a aprovação de um pacote trilionário de investimentos sociais proposto por Biden.

Um de seus argumentos é o de que, no futuro, os democratas eventualmente voltarão a ser minoria, e então terão menos poder para barrar projetos dos republicanos sem a regra de obstrução. Assim, uma saída seria não encerrar o recurso de vez, mas impedir seu uso em casos específicos, como no das questões sobre direito ao voto.

O projeto de lei de proteção dos direitos ao voto, que havia sido aprovado pela Câmara e agora foi enterrado mais uma vez pelo Senado, prevê padronizar procedimentos como o registro de eleitores, o voto pelo correio, o acesso a locais com as urnas e o controle de doações de campanha —hoje, cada estado define suas regras.

Outra proposta, apelidada de Lei John Lewis, propõe facilitar o acesso de negros, latinos e outros grupos historicamente excluídos das eleições em alguns estados dos EUA, especialmente no sul, e prevê punições a governos locais que insistam em medidas restritivas.

Os projetos são uma resposta do Partido Democrata ao que vem acontecendo nos últimos meses. Ao menos 19 estados onde há maioria republicana no Legislativo aprovaram restrições adicionais ao voto. Biden chamou essa onda de “Jim Crow 2.0”, em referência às medidas adotadas após a libertação de negros escravizados para impedir que eles tivessem direitos básicos e estabelecer que eles vivessem segregados e distantes da política.

As medidas consideradas restritivas não proíbem diretamente as pessoas de votar, mas dificultam o processo. A lista de táticas inclui exigir documentos específicos, criar obstáculos no registro de eleitores, restringir o voto por correio e reduzir os locais de votação e seu horário de funcionamento, de modo que longas filas desencorajem a participação.

Outra prática é o chamado “gerrymandering”, um redesenho de distritos eleitorais de modo a favorecer um partido. Nos EUA, de modo geral, cada distrito elege só um candidato. Assim, a estratégia permite que alterações no mapa eleitoral de modo a conceder vantagens ao partido que está no poder.

Todo esse cenário expõe, de novo, a polarização crescente nos EUA. De um lado, os democratas argumentam que suas propostas ajudariam a curar a ferida democracia americana após os anos sob Trump e, especialmente, após a invasão do Capitólio —o ápice da crise recente.

No outro lado, estão os republicanos afirmando que não há ameaça alguma contra os direitos ao voto. Para eles, isso é uma invenção dos democratas, e pouco ou nada precisa ser feito para mudar a maneira como os estados já conduzem o sistema eleitoral.

Enquanto a disputa ainda se desenrolava no Senado, Biden disse, em uma entrevista coletiva, que não há motivos para perder as esperanças de avanço na questão dos direitos ao voto. “Ainda não estamos sem opções”, afirmou o presidente.

Não estão claras quais seriam essas opções, e não se sabe qual será o próximo passo dos democratas. Mas a dez meses das eleições de meio de mandato, o partido do presidente vai precisar de destreza e agilidade se quiser impedir que o pleito reverta o cenário de maioria democrata e dificulte ainda mais a agenda do governo Biden. (Folha de S.Paulo)

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