De quando em vez a mídia divulga ações judiciais determinando a suspensão de festas e eventos populares patrocinados pelas prefeituras municipais. Os argumentos para a concessão das liminares fundamentam-se quase sempre nos reduzidos recursos municipais, aliado ao baixo IDH (Índice de Desenvolvimento Humano); fatores esses que são agravados, segundo os decisórios, pelas elevadas somas cobradas pelos artistas convidados, muitos deles oscilando na faixa 700 mil, 800 mil ou 1 milhão de reais.

Evidentemente que as decisões judiciais são carregadas de razoabilidade. De fato, ante ao cenário paupérrimo experimentado por muitos municípios, que tiveram seus cenários agravados pela pandemia, não é razoável aplicar recursos públicos em determinados contextos. Os novos tempos exigem prudência e zelo.

No entanto, entendo que alguns aspectos merecem ser considerados em tais situações.
Como operador do Direito sempre procuro me inspirar no art. 5º da Lei de Introdução ao Direito Brasileiro (Lei n. 4657/1942). Para mim, um dos mais sábios e salutares dispositivos do ordenamento jurídico pátrio. Segundo o referido dispositivo “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”. Se convenientemente observado, ele tem a virtude de conectar as decisões judiciais aos mais profundos anseios da sociedade. Se todo o poder emana do povo, para o povo e pelo povo; bem que a prestação jurisdicional também poderia se pautar também por essa regra desde que, evidentemente, presentes os indicativos para tal.

Faço essa preliminar para ressaltar a importância de as decisões judiciais serem mais de ordem finalística do que propriamente literal, nos casos em que o processo impregna-se de forte vínculo social. Números e letras, às vezes, são impotentes para explicitar realidades latentes. Elas acabam passando ao largo da caneta.

Nessa linha de entendimento todos nós sabemos que por trás dos eventos populares há geração de emprego e renda, ainda que por um curto período. A economia local é movimentada significativamente. Em muitos contextos os munícipes os aguardam ansiosamente, pois as festividades representam sua única oportunidade de colocar mais comida na mesa e pagar suas contas. O dinheiro ganho durante os eventos talvez não represente muito em termos monetários, mas para muitos deles é como se acertassem na loteria. O parco dinheirinho sempre será muito bem-vindo para essas famílias.

Em outras palavras, o valor dos gastos despendidos pelos cofres públicos não deve ser o único parâmetro para referendar ou não a realização das festividades municipais. Há que se adotar um ponto de vista mais amplo, que transcenda o Direito e alcance as raízes sociais. Lembre-se: números e letras são frios, tal é sua desconexão com a realidade em muitos contextos.

Outro ponto que merece ser considerado advém das condições de realização de cada evento. Cada um deles tem suas próprias particularidades, muitas delas capazes de mudar a trajetória das decisões judiciais. Para tanto, permitam-me compartilhar um caso concreto que enfrentei enquanto Relator das contas de uma determinada localidade municipal de nosso Estado.

Na oportunidade, por meio de uma Representação pugnava-se pela suspensão de um evento festivo patrocinado por uma prefeitura. O valor envolvido era substancial: R$ 750 mil reais. Ao iniciar os procedimentos de praxe, solicitei que o prefeito me encaminhasse a lei orçamentária de seu município juntamente com informações referentes à forma de pagamento das despesas. Ele esteve pessoalmente em meu Gabinete.

De posse da LOA municipal, soube que havia uma fatia de recursos orçamentários destinados à realização de festas e eventos para aquele ano no valor de R$ 300 mil reais. Questionei, então o gestor sobre como que ele pagaria as despesas ao que ele me respondeu que R$ 150 mil adviriam da referida dotação orçamentária e o restante (R$ 600 mil) seria patrocinado por um banco. Além disso, informou-me o gestor municipal que a prefeitura havia licenciado 120 quiosques para seus munícipes, a fim de que eles tivessem a oportunidade de ganhar um dinheirinho nos dias de realização do evento. Não bastasse isso todas as embarcações que faziam parada no município estavam com sua lotação máxima também vendida. Pronto. Aí estavam os números que eu precisava.

Disse-me o prefeito que, diante de todo esse contexto, a suspensão do evento seria desastrosa para a municipalidade, pois os prejuízos seriam incontáveis.
Decidi manter a realização do evento e não suspendê-lo.

Esse é apenas um exemplo de quanto um evento municipal – principalmente em pequenas localidades – está conectado com seu tecido social. Entre todos os entes federativos, o município é aquele que está mais próximo das pessoas. É o que está mais presente na vida de seus moradoras. Por isso deve ser tratado sempre como um prolongamento da vida em sociedade.

Por fim, a experiência por mim referida, também me fez refletir sobre a importância de respeitarmos a autonomia municipal.

Naquela oportunidade, a fatia destinada à realização das festividades expressava claramente o desejo do legislativo municipal. Nas circunstâncias datas, impedir que a municipalidade promovesse o que já estava autorizado em sua lei orçamentária significaria se imiscuir em assuntos internos, reservados e protegidos pela Carga Magna.

Em síntese: cada evento deve ser analisado individualmente, pois cada um tem suas próprias particularidades. Além disso, na minha opinião sempre a decisão judicial deverá consultar os fins sociais e o bem comum. São ótimos conselheiros!!
Cautela e caldo de galinha não fazem mal a ninguém.

Alipio Reis Firmo Filho
Conselheiro Substituto – TCE/AM

Artigo anteriorPleno do TJAM analisará na sessão de 16/08 mérito em IRDR suscitado pelo Estado
Próximo artigoCasas Bahia inaugura cinco lojas em Manaus nesta sexta-feira (12)