Felix Valois

Quando completei 73 anos, na última segunda-feira, minha filha Lucíola me escreveu o seguinte: “Pai, que felicidade é poder comemorar tua vida com alegria e esperança! Alegria por ver que o tempo é generoso contigo. Os anos te tiraram os cabelos e te deram uma pressão relativamente alta, mas segues forte e saudável nos teus 73 anos, apesar do escocês João caminhante e do tabaco que atende pelo nome de Carlton, também escocês. Alegria por desfrutar do teu convívio, receber teus conselhos e aprender com tua sabedoria! Alegria imensa de proporcionar aos meus filhos a presença constante de um avô amoroso e amigo! Esperança de ver, ao teu lado, os teus ideais de igualdade chegarem mais próximos da realidade! Esperança de juntos vermos nosso país reconstruído! Meu pai, sigamos em frente, que ainda há muito para vivermos juntos. Ainda não aprendi tudo o que tens para me ensinar. Talvez, aqui e ali, eu volte a precisar do teu colo. Por tudo isso e muito mais, vou rezando e pedindo a Deus que te dê saúde para viver muitos anos ao nosso lado. Amo-te”.

Como agradecer a tamanha generosidade? Disse-lhe apenas “obrigado, filhinha”, porque não havia meios de conseguir articular palavras que pudessem expressar, com clareza e realidade, o sentimento que invadiu este velho, o qual, segundo o compadre Jacinto Botinelly, já caminha lento. Afinal de contas, ninguém chega incólume à sétima década. É grande o peso dos anos e a lentidão a ele é inerente. A carga de desilusões e desencantos se acumula e se deposita em ombros já frágeis, que apenas conseguem mal e mal suportá-la. Mas há momentos de alívio e a leitura da mensagem da Lucíola foi um deles. Por que? Ora por que, meu escasso leitor. Pela simples razão de que me fez ver, com a nitidez que sempre deveria estar presente, esta realidade que se sobrepõe a qualquer desengano: tenho uma família.

Da união já cinquentenária com a minha companheira primeiro veio o Caco. Ele mesmo, o juiz de direito Luís Carlos Valois que, no próximo 18 de abril, vai se tornar doutor pela maior Universidade da América Latina, a USP. Ele mesmo, aquele juiz que, por não ser bitolado nem obtuso, logrou despertar a inveja da mediocridade provinciana, a qual, recentemente, pretendeu atacar-lhe a honra e a dignidade profissional, divulgando inverdades que só encontraram eco nas mentes doentias dos que fazem da estupidez, profissão, e da calúnia, um hábito. Paciência há de ter essa coorte de insanos: Caco continua sendo meu orgulho e uma referência no Poder Judiciário.

Ao depois, me surge a primeira flor: essa mesma Lucíola que esbanjou bondade quando escreveu ao pai o texto acima transcrito. Desde pequenininha eu a chamo de Índia. Morena e bonita, ela, por incrível que pareça, adora quando me ouve cantar a guarânia com o mesmo nome. Coisas do amor filial que não permite reconhecer que eu posso ser tudo, menos cantor. É ela promotora de justiça. E está redondamente enganado quem, pelo menos por um momento, supuser que isso a transformou numa caçadora de condenações, à cata de fazer estatísticas da quantidade de penas impostas aos réus que lhe coube acusar. Está ela sempre disposta a promover justiça. De verdade.

A alternância me trouxe a seguir o Alfredo. Demos-lhe o nome em homenagem a um homem notável: o doutor Alfredo Moacyr Cabral, meu colega de turma e exemplo de honradez. Mas tinha apelido também. Um apelido que nem eu mesmo, que o coloquei, sei explicar. O certo é que, desde os tempos de suas diabruras infantis, Alfredo é o nosso Magoo. Este não quis saber do Direito. Enveredou pela medicina, especializando-se em ortopedia e hoje é professor universitário da matéria, além de presidir a respectiva sociedade no Amazonas. A cada osso que ele conserta, eu me inflamo de orgulho e parece que fui eu mesmo a realizar o milagre da cirurgia.

No final da fila, a Lucinha. Meiga e doce, seus cabelos encaracolados nunca me permitiram chamá-la de outra coisa que não fosse simplesmente Neném. E Neném ela é até hoje para mim. Deu a volta às origens e se formou em direito. Hoje me auxilia no escritório, mas como ninguém pode sopitar o que é de nascença, resolveu retomar os estudos de engenharia. Já os havia encetado bem antes, mas foi na época em que as greves na UFAM não permitiam a nenhum ser humano normal vislumbrar a data em que poderia concluir o curso. Linda Neném.

Já são sete os netos. Sete e três quartos, se contarmos que em maio chega a Catarina. Começaram com a Bruna, hoje com dezenove anos, chegando à Ayla, que ainda não fez dois. Na sequência: Luís Carlos, Fábio Junior, Lauro, Luciana e Helena.

Tenho ou não tenho motivos para me considerar feliz? Diz a Lucíola que ainda não lhe ensinei tudo o que posso. Acho que sim, meus filhos e netos. Nada tenho a acrescentar ao que sempre lhes disse: sejam dignos e nunca temam a verdade. Sejam unidos e tenham respeito por todos os seres humanos. Amem e honrem sua Pátria, como amam a si próprios. Não guardem rancor e perdoem a ignorância. E sejam universais.

Quanto ao meu colo, ah, ele só fez crescer. E é tão gigante que nele estou sempre a embalá-los a todos. Não mais entoando as canções de ninar com que os atormentei. Nada disso. Apenas buscando, a toda hora, que me dispensem seus afagos e seus carinhos para que, ao partir, eu possa me dizer: não mereci tanto; filhos e netos me deram muito mais do que sempre pude almejar.

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