Todos os meus filhos foram batizados, o que tem levado costumeiramente os amigos mais chegados a questionarem o meu ateísmo. Explico-lhes que desisti de tentar fugir do peso da tradição. Meus pais, com destaque para dona Lucíola, eram praticantes espontâneos e sinceros do credo católico, de tal forma que eu acabei virando uma ovelha desgarrada daquele rebanho, mas sem chegar à tolice do sectarismo. Afinal de contas, crença é como escova de dentes: cada um, se quiser, escolhe a sua. E, de qualquer forma, estão todos os quatro rebentos saudáveis e felizes, impondo-se a conclusão de que o batismo não lhes causou nenhum mal irreversível.

O curioso é que, em relação à Lucíola, a segunda na escala cronológica, a imposição do sacramento teve conotações surreais. Os pais, ateus (conquanto minha mulher tenha tido uma recaída recente nas coisas do espírito) e comunistas de carteirinha, levaram ao templo de São Sebastião, como padrinhos, dois protestantes convictos, frequentadores e adeptos da Igreja Batista: Getúlio e DaisyPessoa, ele, meu amigo fraterno e colega no Banco do Brasil, ela, enfermeira das mais respeitadas nos arraiais da respectiva ciência. O materialismo dialético cedeu lugar, então, ao compadrio e estava, assim, estabelecida a primeira cerimônia ecumênica, prenunciando os tempos de João XXIII.

A vida e os tempos nos separaram. O casal de compadres partiu para outras plagas, com Getúlio sempre em ascensão na carreira. Gerente de agências no exterior, culminou por ocupar uma das diretorias do banco. Veio a aposentadoria e, com ela, uma nova vida. Getúlio e Daisy se impuseram um exílio voluntário e moram hoje em Boynton Beach, uma cidade da Flórida, nos Estados Unidos. Foi lá que, na semana passada, fomos visitá-los. A alegria do reencontro só não conseguiu exceder a gentileza dos anfitriões, que, dando-nos hospedagem em sua casa, proporcionaram uma estada digna da realeza, se é que reis e rainhas já foram, alguma vez, tão bem acolhidos.

Na varanda, Getúlio degustava um Bordeaux, enquanto eu, fiel ao meu compromisso com o governo da Escócia, encarava o velho e cansado Johnnie Walker, de rótulo vermelho. E a conversa fluía num ritmo frenético. Catávamos lembranças, compraziam-nos as alegrias vividas e chorávamos saudades. O Brasil se fez presente. Era inevitável. O milagre da internet faz com que, mesmo distantes, os compadres estejam a par de tudo o que ocorre nesta Terra de Santa Cruz e, como todos nós, estejam preocupados com os disparates que se sucedem, desde as presepadas petistas até às trapalhadas do Supremo Tribunal Federal, passando pelo Congresso e pelas figuras que compõem esse cenário quase caótico.

Lula veio à baila. Afinal de contas, foi a partir de seu primeiro governo que a esculhambação adquiriu status institucional. Getúlio me forneceu anotações por ele feitas a respeito da triste figura. Transcrevo algumas, por sua inteira pertinência e oportunidade:

“Lula diz que combateu a ditadura militar instalada em 1º de abril de 1964, no que é acompanhado por todos os petralhas… Apesar da grande campanha pelas diretas, a eleição foi indireta. Quando se debatia e havia grande clamor pelas diretas, um general (era coronel quando ocorreu o golpe e não vou mencionar o nome), disse, em conversa, em New York, que os militares eram contra as diretas porque, na opinião deles, Brizola venceria tal eleição por ser nome bem conhecido do Chuí ao Oiapoque. Brizola era considerado comunista e temiam revanche, caso fosse eleito. Na ocasião foi perguntado ao general: e o Lula? Resposta: “Ah! Quanto a esse não tem problema, ele não é comunista”. Só faltou dizer “é gente nossa”. Por isso, acredito no Tuminha quando diz em seu livro que o Lula era informante do seu pai, delegado Romeu Tuma”.

Mais adiante: “Lula e sua tropa foram contrários à Constituição de 1988, contrários à lei de responsabilidade fiscal, contrários ao pagamento da dívida externa. Pregavam o calote etc. Uma vez eleito Presidente da República, Lula abraçou todo o programa econômico do governo FHC, inclusive o programa assistencial do Bolsa Escola, transformado em Bolsa Família. O único programa de sua autoria, o Fome Zero, não decolou”.

Revelo agora: Getúlio é brilhante economista e suas ponderações sobre a situação atual são, todas elas, marcadas pelo mais profundo bom senso.

Estamos com saudades, compadre e comadre. Apesar da distância, é preciso amiudar o papo. Ou vocês vêm ou nós ameaçamos com um breve retorno.

Artigo anteriorCasa da Moeda retoma entrega de passaportes
Próximo artigoJuiz Sérgio Moro põe Cabral e sua mulher no banco dos réus por corrupção – Veja Decisão