Nascida em Manaus, a capital do Amazonas, Bruna Chaves Brelaz, de 26 anos, chega à presidência da União Nacional dos Estudantes (UNE) num dos períodos mais conturbados da História do Brasil: em meio a uma mortal pandemia que já deixou quase 550 mil mortos no país e sob um governo extremista, ultrarreacionário e que tem como marca atacar diariamente movimentos populares e setores da sociedade civil que não se alinham às suas diretrizes radicais.

Bruna é primeira mulher negra eleita para presidir a UNE, embora a entidade já tenha sido liderada por Moara Correa Saboia, também negra, em 2016. Só que Moara era vice-presidente na chapa de Carina Vitral e a substituiu por pouco mais de um ano.

Estudante do terceiro período de Direito da FADISP (Faculdade Autônoma de Direito), Bruna também já foi acadêmica de Pedagogia na UEA (Universidade Estadual do Amazonas) e passou por vários cargos em diferentes entidades do movimento estudantil no país.

Na entrevista à Fórum, a nova presidente da UNE falou um pouco sobre o panorama político brasileiro e como isso impacta os estudantes, além de comentar os ataques feitos pelo problemático e instável presidente da Fundação Palmares, Sérgio Camargo, que afirma que Bruna seria “negra por conveniência” e “no máximo parda clara”.

Qual o significado para o movimento estudantil brasileiro de ter uma mulher negra pela primeira vez no comando da UNE?

Entendo que é uma eleição emblemática por estar representando milhões de estudantes brasileiros, ser uma mulher negra, nortista, e que ocupar um espaço de representação como esse é elevar vozes que muitas vezes não são escutadas. Há muitas lutas das mulheres negras que levarei adiante. Entre elas, a renovação da Lei de Cotas que acontece no ano que vem.

Também, acredito que a defesa da Amazônia, da demarcação de terras, da nossa soberania deve estar no centro das nossas lutas e é necessário levarmos esses debates com mais intensidade às universidades.

Qual a sua trajetória até a chegada à presidência da União Nacional dos Estudantes?

Conheci o movimento estudantil durante as manifestações contra o reajuste da tarifa nos transportes, em 2011. Passei a participar das reuniões de mobilizações, conheci a UBES (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas) e expandi muito meus horizontes, principalmente sobre a educação. Antes, achava que me limitaria a terminar o ensino médio – depois de entender as lutas do movimento estudantil, percebi que podemos mais – todos devem ter direito à educação superior. E assim, fui cursar pedagogia na UEA (Universidade Estadual do Amazonas). Cheguei a ser diretora do DCE da instituição. Em 2015, fui eleita presidente da UEE-AM (União Estadual dos Estudantes do Amazonas). Em 2019, fui Diretora de Relações Institucionais da UNE e atuei em Brasília, levando as lutas pela educação no Congresso Nacional e debatendo com lideranças políticas. Por último, fui tesoureira da entidade.

Há um desafio maior ao assumir a UNE num momento político tão crítico como esse, em que liberdades democráticas estão sob perigo, e quando os movimentos sociais passaram a ser criminalizados pelo governo?

Sim! Quanto à educação, nossa luta, além de ser por avanços é também para evitar retrocessos, já que o projeto do governo atual é de desmonte. Há tentativas de deslegitimar a atuação de entidades educacionais, de movimento sociais e até de universidades, como é o já clássico caso da “Balbúrdia”. E com muita luta, temos o apoio popular e vivemos essa batalha de informação x desinformação que o governo promove. Porém, a UNE completará 84 anos e a entidade já resistiu à perseguição política, foi bastante atuante construindo a luta por democracia, então, entendo que existe o desafio, mas não vamos esmorecer.

É possível traçar um cenário de semelhança entre aquela UNE que lutou pelo impeachment de Fernando Collor e a de hoje?

O perfil do estudante universitário hoje é muito diferente. Hoje temos quase metade de estudantes de escola pública nas federais, mais negros, mulheres, inclusive na UNE.

A semelhança está no apoio popular e de cada vez mais setores da sociedade e da política apoiarem o impeachment. Cada onda de manifestação vem maior e com mais força.

E claro, não vamos esquecer do engajamento nas redes, que não temos efeito de comparação com aquela época, mas que hoje representa uma força de mobilização, ainda mais que retomamos as ruas agora há dois meses, por conta da pandemia.

O presidente da Fundação Palmares, Sérgio Camargo, fez ataques a você dizendo “ela é negra por conveniência”. Na sequência ele afirma “negro sou eu, ela é no máximo parda clara”. Como é possível reagir a esse tipo de insanidade racial que veio à tona a reboque do bolsonarismo?

Esse é mais um exemplo da política genocida de Bolsonaro, e como ela é muito mais violenta com os negros. Qual a conveniência em ser negra no Brasil, com os dados alarmantes de mortes e violência contra os negros? Sua fala representa a tentativa de deslegitimar a luta antirracista da UNE, dos estudantes e dos movimentos negros.

Diante do cenário problemático que o Brasil atravessa, em todas as áreas, quais são as prioridades da UNE neste momento, para sua gestão.

O impeachment de Bolsonaro, por ele ser uma ameaça à vida do brasileiro e ao futuro do país, da educação. Temos a luta pela recomposição do orçamento das universidades federais, projetos de permanência para evitar o aumento da evasão de estudantes, a fiscalização para retorno com segurança às aulas presenciais e regulamentação ao ensino híbrido, renovação da Lei de Cotas no ano que vem e a defesa da Amazônia e da população indígena.

 

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